domingo, setembro 25, 2005

11 de Setembro de 1891 - O último passeio de Antero

O mês de Setembro de 1891 foi daqueles meses húmidos e quentes, da típica e deprimente mornaça que os micaelenses consideram de mau agoiro. Prenúncio de maus humores e de sismos.
Antero de Quental chegou aqui, vindo de Vila do Conde, a 8 de Junho de 1891, no navio Açor com o intuito de fixar definitivamente residência em S.Miguel e proporcionar às suas pupilas Beatriz e Albertina Meireles uma vida familiar e social apropriada, que “as ajudasse a enfrentar a vida e serem boas donas de casa”.

Navio Açor

Veio só e não se hospedou de imediato em casa de José Bensaúde por ausência deste no estrangeiro, indo hospedar-se no Hotel Brown. Só a 25 de Agosto com a chegada do amigo no paquete Funchal, se mudou para a casa de José Bensaúde.

José Bensaúde

“(…) Espero que não levará a mal se me não aproveitar imediatamente da hospitalidade que me oferece. Não estando ali o dono da casa parece-me que seria um tanto insólito ir eu para lá. (…)”

Solar de Nossa Senhora do Parto, onde funcionou o Hotel Brown


Antero chegou a alugar e mobilar uma casa em S.Gonçalo onde pretendia ir viver com as pupilas, de frente para o Mercado do Gado, mas a deterioração do seu estado de saúde acabaria por não permitir a mudança. O receio dos ruídos das cornetas dos militares e dos vagidos das vacas contribuíram ainda mais para a indecisão e atraso da mudança.

Casa de S.Gonçalo

Aqui chegado começou Antero em consultas com o Dr. Bruno Tavares Carreiro mostrando desde logo a sua dúvida quanto a justeza da sua decisão de para cá vir viver. Numa das consultas pediu-lhe: “ O Doutor quer ser meu amigo? Muito meu amigo? É dar-me uma dessas injecções que se dão com uma seringa por debaixo da pele e que matam instantaneamente sem se sentir…”

Dr. Bruno Tavares Carreiro

A sua instabilidade emocional manifestou-a aos seus primos Sebastião Arruda da Costa Botelho e Augusto Arruda Quental e a José Bensaúde, chegando a afirmar: “Isto ainda acaba com uma corda na garganta ou com uma bala na cabeça”. Nas suas visitas ao primo Sebastião discutiu o suicídio com ele ficando depois preocupado por ter o próprio primo tentado o suicídio tempos antes e sentir-se responsável por qualquer influência funesta que esta conversa pudesse ter. Numa das visitas à filha do primo Sebastião, Maria Helena da Costa Botelho então uma criança e que se encontrava doente, teve um inexplicável ataque de choro convulsivo. “Deixem… Deixem… Não é nada!

Casa de Sebastião Arruda da Costa Botelho, onde Antero escreveu a sua famosa Carta Autobiográfica em 14 de Maio de 1887

Aos irmãos Faria e Maia não manifestou intentos suicidários. Foi visita diária de João Machado Faria e Maia, retido em casa com uma fractura de uma perna e dois dias antes do suicídio em conversa com Francisco Machado Faria e Maia só lhe manifestou a sua preocupação “em ficar inválido e pesado aos outros”.
As pupilas chegaram a S.Miguel a 24 de Julho no navio Funchal, acompanhadas pela irmã de Antero, Ana do Quental de viuvez recente, com quem Antero tinha uma relação difícil dado que a referida senhora embirrava com uma das pupilas de Antero e não concordava com o compromisso que o irmão assumira. Foram hóspedes do Dr. Carlos Maria Gomes Machado então Governador Civil de Ponta Delgada. Tornou-se Antero visita diária do Governo Civil deixando a impressão à filha do Dr. Carlos Machado, Sr. D. Maria Conceição Machado de que “não tinha projecto algum e que na sua cabeça tudo se confundia num turbilhão”. Por diversas vezes tentou a amável senhora distraí-lo. Antero dizia-lhe amargurado: “Bem a compreendo, mas tudo é inútil. Sou um vencido da vida. Já nada pode distrair-me”.


Ao fundo o antigo edifício do Convento da Conceição onde estava instalado o Governo Civil

A 10 de Setembro Antero foi entregar as pupilas às Senhoras Juníperos, na Rua Direita de Santa Catarina, uma vez tencionava deixá-las entregues a estas senhoras porque estava decidido a regressar a Lisboa dado o seu precaríssimo estado de saúde e “recomendou que desejava muito que elas se habilitassem para serem boas donas de casa, recebendo uma educação de imediata utilidade no lar doméstico”. A entrega foi dramática, com as crianças a pedir para ele não as abandonar e Antero chorando convulsivamente abraçado a elas, prometendo levá-las para Lisboa. Poderá ter sido “a gota de água”…
Dali foi ao Governo Civil onde sob forte emoção conversou com a sua amiga Sr.ª D. Maria Helena Freitas Machado que o tentou animar. “Está enganada minha senhora, a felicidade não se fez para mim”.

11 de Setembro de 1891
A noite de 10 para 11 de Setembro foi de insónia. Pela onze da manhã Antero e José Bensaúde almoçaram e conversaram durante mais duma hora. A decisão do suicídio ainda não estava tomada. A criada veio perguntar o que pretendiam para o almoço do dia seguinte. Com naturalidade Antero considerou ser “mais prudente uma coisa leve”.
Era 1 hora da tarde quando José Bensaúde saiu. Excepcionalmente vestido de preto Antero saiu pelas 2 horas e trinta minutos. Dirigiu-se ao Governo Civil para entregar à irmã umas dúzias de libras de ouro “porque o preocupava tê-las”.
Por três vezes tentou encontrar o Coronel Francisco Afonso de Chaves na sua casa. O Coronel Chaves era um optimista, bem disposto e folgazão. A antítese de Antero. Tê-lo-ia procurado para tentar arranjar algum ânimo que contrariasse a atitude “que repugnava a certos seus sentimentos morais”, como anos antes afirmara a Germano Meireles?

Casa do Coronel Chaves


Coronel Francisco Afonso de Caves

Dirigiu-se pela 6 horas da tarde à Loja de quinquilharias de Benjamin Férin na esquina da Rua dos Mercadores. “Ao entrar, perguntou se tinham revólveres; sendo-lhe respondido que sim, olhou para a montra onde estava um Lefaucheux, e disse que era possível que aquele mesmo lhe servisse. O caixeiro apressou-se a mostra-lho e entregou-lho, para que o examinasse. Antero pegou no revolver, mas em vez de puxar o gatilho, levantava o cão e depois largava-o, imaginando que cairia por si. O caixeiro explicou-lhe que, para que o cão batesse no fulminante, era necessário levantá-lo e depois puxar o gatilho. Respondeu que nada percebia daquilo, porque nunca fizera uso de armas de fogo. Morava no campo e por isso queria ter um revólver para afugentar algum malfeitor. Dizendo-lhe o caixeiro que ouvira falar da sua próxima partida para Lisboa, respondeu que na verdade resolvera regressar ao Continente, mas que, tendo passado melhor durante os últimos quinze dias, ainda se demoraria algum tempo na ilha. O caixeiro, depois de examinar o revólver, vendo que era tardio, foi buscar outro melhor. Antero pediu-lhe que o carregasse e explicou que não comprava mais balas porque não ia pôr-se a dar tiros; bastavam as da carga. Como pedisse ao caixeiro que embrulhasse bem o revólver, foi envolvido em três folhas de papel amarradas com uma guita. O revólver e as cargas custaram 6$150, que pagou com três libras, recebendo o troco. Em toda a conversa sempre esteve calmo e tranquilo”.

Loja de Benjamin Férin

Depois de sair, subiu a Rua Nova da Matriz, actual Rua António José de Almeida e foi visitar o seu primo e amigo Augusto Arruda Quental que morava na casa, ainda existente, fronteira à Rua Nova da Matriz, na então Rua de S. Braz, hoje Rua Machado dos Santos e que faz esquina com a Rua do Colégio, actual Rua Carvalho Araújo.

Casa de Augusto Arruda Quental


Augusto Arruda Quental

Antero parou na casa deste primo, pousou na mesa da entrada um estranho embrulho de papel de jornal e foi conversar com o primo sobre o destino e preocupação que tinha com as suas protegidas, Beatriz e Albertina Meireles, quando ele falecesse. Após alguns minutos de conversa Antero saiu e o primo, muito solícito, quis entregar-lhe o misterioso embrulho ao que o Antero gritou: “Não lhe pegues!”.
Saiu e seguiu pela Rua de S. Brás até ao Governo Civil onde estava a sua irmã Ana Guilhermina do Quental. Deixou no corredor o chapéu e sob ele o embrulho com o revólver. O Dr. Aristides da Mota diz que descansou serenamente, como costumava, na cama. Entregou à irmã o dinheiro que sobrara da compra do revólver. Inquirido se ficava sem dinheiro afirmou que “para nada o queria”. No bolso do colete foram encontrados posteriormente alguns papéis com bismuto e uma pequena caixa de lata. Entrou no quarto a Tia Maria Isabel de Quental, irmã do pai e por quem Antero nutria especial antipatia. Levantou-se cumprimentou-a com cortesia e sem se despedir saiu. Ainda se cruzou com o Coronel Chaves que acidentalmente tinha ido ao Governo Civil mas deve ter tido uma conversa fugaz dada a perturbação do seu espírito e saiu despedindo-se de D. Maria Helena Machado que o acompanhou, fazendo-lhe um reparo por esta tratá-lo por Doutor: “ Esqueceu-se, minha senhora, do compromisso que tomou comigo”. Estendeu-lhe a mão e disse “Minha senhora, desejo-lhe uma boa noite”.


Ana Guilhermina Quental


Dr. Carlos Machado

Era já noite e caía uma chuva miudinha. Passou pela Rua de Santa Catarina pela casa das Sr.ªs Juníperos sem entrar e terá descido pela Vila Nova até ao Campo de S. Francisco. Sentou-se no banco “onde um pouco acima da sua cabeça a palavra Esperança iria coroar, por ironia do destino, aquele trágico final de vida”.

Rodrigo Rodrigues

Um então jovem estudante liceal, Rodrigo Rodrigues, viu Antero sentado no banco e não ouviu os tiros o que mostra que ali esteve sentado algum tempo.

Banco do Campo de S. Francisco onde Antero se suicidou

Pela oito horas da noite Antero levou a pistola à boca e disparou. Terá inclinado demasiado a cabeça para trás de modo que o tiro saiu pelo nariz destruindo os ossos próprios do nariz junto aos olhos. Antero sente que a bala errou o alvo e lentamente leva novamente a arma à boca e dispara um segundo tiro que desta vez não erra. Um polícia que se encontrava a sessenta metros ouvindo o 1º tiro dirigiu-se devagar para lá levando trinta ou quarenta segundos a chegar até ao segundo tiro.
O Dr. Mont’Alverne de Sequeira e o Dr. J.J. Sousa acercaram-se do moribundo e encontraram-no “em decúbito dorsal, afásico, de expressão serena com os olhos fechados, mas consciente”. Parece que foram dois os tiros, exclamou o Dr. Mont’Alverne. Imediatamente Antero apontou com o indicador para a região posterior do palato. Perante a dúvida de se tinha sido o primeiro ou segundo tiro novamente o Poeta com os dedos indicador e médio direitos indicou que era o segundo!

Dr. Mont’Alverne de Sequeira

Transportado em maca para o Hospital ali próximo foi assistido pelo seu médico Dr. Bruno Tavares Carreiro e acompanhado pelo seu amigo José Bensaúde. A violência do seu sofrimento levou a que dois homens não conseguissem suster-lhe as contracções.
Morreu ao fim de uma hora com “um sorriso a iluminar-lhe o rosto descarnado de mártir”. Eram nove horas da noite.

Hospital da Santa Casa da Misericórdia

Foi sepultado no dia seguinte, pelas cinco horas da tarde no cemitério de S. Joaquim de Ponta Delgada, no local junto à entrada, onde, sob uma pirâmide de pedra de lioz jaziam os seus pais e o Avô André da Ponte.
Antes de descer o ataúde foram proferidos discursos pelo Dr. Aristides da Mota, Dr. Júlio Pereira da Costa e o jornalista Manuel Pereira de Lacerda.

Dr. Aristides da Mota


Dr. Júlio Pereira da Costa

Manuel Pereira de Lacerda.


Túmulo de Antero


Alguns anos depois foi gravado sob o seu nome e data de nascimento o epitáfio composto por João de Deus em 1894

Aqui jaz pó: eu não; eu sou quem fui
Raio animado dessa Luz celeste,
À qual a morte as almas restitui,
Restituindo à terra o pó que as veste
.

Texto de José Bruno Carreiro, in Antero de Quental, Subsídios para a sua Biografia
Ilustração por Carlos F. Afonso

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Contrastes

O Presidente do Governo Regional dos Açores regressou repentinamente do Faial, para acompanhar a crise sísmica de S.Miguel.
O Presidente do Governo da Républica decidiu não cancelar as férias e regressar a Lisboa quando todo o país se encontrava em chamas, numa preanunciada época de seca extrema.
Dizem os fiéis que ambos tiveram razão. Um porque fugiu às suas responsabilidades. Outro porque dignamente as assumiu.
Se – como dizem – Sócrates tem incendiado o País, foi pena que tivesse regressado…
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segunda-feira, setembro 12, 2005

Ponta Delgada - Vandalismo Cultural ou Desenvolvimento LI

A Rua 6 de Junho cruza à esquerda com a Rua 16 de Fevereiro, que a liga ao Largo 2 de Março.

Esta Rua 16 de Fevereiro resultou da demolição da cerca do Convento de Nossa Senhora da Conceição, instituído no séc. XVII pelos três irmãos Andrade Albuquerque. Do convento sobrou a Igreja e a torre e restaram também, durante anos, no lado norte do Jardim Sena Freitas uma série de edifícios baixos, onde, até à sua atribulada e discutida demolição nos anos 70 do séc. XX, funcionou a Repartição de Finanças de Ponta Delgada e eram o que restava do antigo celeiro das freiras de Nossa Senhora da Conceição. Hoje é um parque de estacionamento!
O Convento da Conceição constituía todo o lado poente do Largo que teve o seu nome.

Em 8-10-1662 o doutor Francisco de Andrade e Albuquerque, vigário da paroquial de Rabo de Peixe, concelho da Ribeira Grande, e visitador em S. Miguel e Santa Maria, juntamente com seu cunhado, capitão Manuel de Medeiros da Costa e mulher, Feliciana de Andrade e Albuquerque, fizeram doação e dotação como fundadores de um convento para freiras e recolhimento de parentes suas, a edificar no sítio da residência que fora dos pais e avós daquele vigário, próximo da ermida das Chagas e do paço do Capitão do Donatário, D. Manuel da Câmara. Dedicavam o Convento a Nossa Senhora da Conceição, indicando na escritura respectiva os bens e rendimentos que se dispunham afectar-lhe, bem como as condições do Padroado, sua sucessão e demais cláusulas regulamentadoras. Foi este o quarto e último convento de freiras instituído em Ponta Delgada. Com obediência ao bispo, a sua fundação foi aprovada por Breve do papa Clemente IX, datado de 14-5-1664, tendo sido lançada a primeira pedra em 8 de Setembro desse ano. Segundo Frei Agostinho de Monte Alverne, as obras de construção de mosteiro e igreja prosseguiram ininterruptamente durante seis anos, sob a direcção do mestre Agostinho Ferreira, natural e residente em Vila Franca do Campo. O que não nos diz é quando elas terminaram, limitando-se a referir que em 3-8-1671 o mosteiro já estava em condições de albergar as religiosas que, nessa data, vindas da Esperança, nele se estabeleceram, bem como as primeiras recolhidas. Reservado a novas utensias após a supressão das ordens religiosas, o convento de Nossa Senhora da Conceição foi transformado em palácio do Governo Civil, actual sede do Governo Regional dos Açores, nele se instalando diversas repartições públicas e serviços, nomeadamente, a sul da igreja, a Relação dos Açores -Tribunal de segunda instância - Repartição de Fazenda, Administração do Concelho, Tesouraria e Pagadoria. A norte, o Quartel General da 10.ª Divisão Militar. A igreja manteve-se com culto e em bom estado de conservação porque, no século XVIII, em data imprecisa, mas um pouco depois de 1754, fora reconstruída. Efectivamente, por esse ano, o Mosteiro devia 730$000 réis « ... do ualor e frete da Madeira de sedro q' no anno passado semandou uir da Ilha das Flores, e pedra da uilla franca pª sefaser denouo algreja do mesmo Mostr° q. seacha m`° arruinada, e amais antiga, q' por não terem comq' selhe não tem dado principio... ». Para efectivar a obra esperava-se o auxílio régio. (in B.P.A.P.D., Ernesto do Canto, ms. cit., vol. II, f. 8-9; vol. IV, f. 86. B.P.A.P.D., José de Torres, ms. cit., vol. IV, f. 202. Joaquim Cândido Abranches, Album Michaelense, Ponta Delgada, 1869, p. 26



Local da antiga cerca onde existiam os celeiros do Convento da Conceição. Agora é um simples parque de estacionamento, ficando definitivamente apagada a memória do que foi o convento ainda não demoliram a igreja e a torre, mas lá chegarão!!!). Ao fundo a pitoresca casa do séc. XIX onde terminava a cerca do Convento da Conceição



Vista do Lado poente do Largo dos Mártires da Pátria (da Conceição) vendo-se ao fundo Convento da Conceição já secularizado e transformado em Governo Civil. À esquerda em primeiro plano a antiga casa do Sr. Ângelo Soares de Albergaria, hoje restaurada e adaptada a Centro de Cultura da CMPD. Ao fundo o extenso telhado do então Teatro Micaelense. Espaço ajardinado pelo 1º Barão de Fonte Bela, à sua custa, para embelezar o espaço fronteiro à sua casa que fica à direita


Fotografia do séc. XIX do Convento da Conceição. O edifício conventual da direita foi demolido para se fazer o jardim do actual Palácio da Conceição. Os edifícios a seguir à Torre e Igreja foram demolidos para fazer o actual Palácio da Conceição, antiga Junta Geral e a Rua 16 de Fevereiro. A seguir ao edifício conventual temos o Teatro antigo e ao fundo o Palacete do Marquês da Praia. A Igreja, construída de 1664 a 1671, é um dos mais representativos edifícios religiosos barrocos da nossa cidade


Vista do que resta do Convento da Conceição. Esqueceram-se de demolir a igreja e a torre. À direita demoliram a parte norte para fazer o jardim do “palácio” da Conceição e onde antes funcionou o Quartel General da 10.ª Divisão Militar. Ao fundo onde se situava a portaria do antigo convento está o corpo nascente do referido” palácio”


Vista actual da Rua 6 de Junho vendo-se à direita o Palácio da Conceição, Jardim Sena Freitas e Palacete Praia.


Vista da Fachada sul do chamado Palácio da Conceição


Local onde existiu urinol de ferro que se seguia ao edifício das Finanças, antigo celeiro do Convento demolido há poucos anos para se fazer um parque de estacionamento


O curioso urinol da esquina do Jardim Sena Freitas, demolido, creio que na altura da demolição do edifício das Finanças

Carlos F. Afonso

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segunda-feira, setembro 05, 2005

Causas da decadência da Democracia Portuguesa IV – 1974-2005

«A parte sã da Nação ficou seriamente desgostosa. E as lamentáveis desordens parlamentares desse triste ano político, as violentíssimas e desmandadas polémicas, as mútuas e terríveis recriminações com que, obcecados pela paixão, os partidos se feriam uns aos outros na sua honra, deixaram no País, que assistia espantado a uma tal lavagem pública de roupa suja, o sentimento desalentado que ele exprime por esta fórmula: - “Tão bons são uns como outros”! É esta uma outra das recentes e desgraçadas fórmulas da opinião pública em Portugal. Ora se, dos que estão, “tão bons são uns como os outros” no sistema parlamentar – para onde ir, para quem apelar?» ([1]) Eça de Queirós


A restauração da democracia em Portugal, não tendo sido violenta não foi isenta de atropelos e convulsões.
O simples pronunciamento militar, feito para acabar com a guerra colonial, com a proposição explícita de instalar a democracia, cedo degenerou numa de tomada de poder pelo PCP, único partido com dimensão e organização para se impor, levando à entrega das colónias ao seu aliado soviético e secundariamente a nacionalização das forças de produção de modo a dominar o país politica e economicamente. O PCP ocupou ministérios, câmaras e controlou quase toda a imprensa, a televisão e a rádio. Através das «comissões de trabalhadores» intimidou as administrações de empresas que não controlava, conduzindo-as lenta ou rapidamente a uma situação económica desesperada e colocando os “seus” nos lugares de administração, com chorudos ordenados e benesses que antes da “revolução” condenavam!
Hesitantes entre a direita democrática e a esquerda revolucionária, os militares mantiveram-se ambíguos, facilitando a ascensão meteórica do PCP, perante um país assustado e impotente. A conivência do PS e dos militares nesta ascensão não pode ser esquecida. Ainda em Novembro de 1974 o Dr. Mário Soares se declarava, perante um país atónito, de marxista! O futuro encarregou-se de demonstrar que afinal se enganara ou nos enganara! Contudo quando em Janeiro percebeu a sua ingenuidade e o seu erro com a questão da unicidade sindical, faltou-lhe o apoio militar e por pouco não soçobrou.
As nacionalizações feitas sobre o joelho, numa noite de insónia, resultaram num prejuízo para a economia portuguesa que iria durar anos e que ainda hoje se reflecte negativamente na economia do país. Mas só quando as empresas ameaçavam soçobrar, por administrações “politicas” incompetentes, é que foram restituídas à sociedade civil. Ainda assim tiveram de ser compradas com dinheiro sonante, uma vez que o Estado – que não é definitivamente uma pessoa de bem – não aceitou os papéis com que compensou os antigos donos!
Em quase todas as sociedades ocidentais o séc. XX foi dominado pelas ideologias que se opuseram ferozmente entre si, em substituição dos ideais religiosos e monárquicos do século anterior. Não fomos nós a excepção. Os ideólogos do MFA, de que destaco Melo Antunes, o seu verdadeiro, senão único, ideólogo, assumiram contudo como prioridade a Democracia, deixando ao povo português a livre escolha dum sistema político, mesmo que contrário às suas convicções ideológicas. Contudo não se evitou a menção do socialismo como objectivo constitucional e que, a meu ver desvirtua a sua concepção, permitindo que, pela sua ambiguidade, qualquer lei possa ser declarada de anticonstitucional e que um qualquer governo não socialista fique inibido de governar.
O regime parlamentar português actual tem sido desolador. Pela improdutividade, pelo descontrole do seu próprio funcionamento e pelos abusos a que tem dado origem.
Aproveitando-se da índole pacífica dum povo inculto e adormecido por 40 anos de ditadura, e exausto por uma prolongada guerra colonial, os chamados “democratas” apoderaram-se das instituições políticas do país, manipulando-as a seu belo prazer e cometendo os mesmos abusos, senão mais e maiores, dos que foram cometidos durante a ditadura e que tão criticados foram enquanto eram oposição. Criaram-se Ministros, não só sem pasta, mas sem conta, Secretários de Estado “a granel”, centenas de lugares de deputados, pagos a peso de ouro, inúmeros lugares de assessores, secretárias, motoristas, etc.
Se isso se sente ao nível do país que dizer dos governos regionais. Criou-se uma pesadíssima máquina administrativa que absorve grande parte dos orçamentos regionais. O que dantes se resolvia com três Governadores Civis, três Presidentes de Juntas Gerais e meia dúzia de funcionários, necessita agora de inúmeros Secretários Regionais, um sem número Directores Regionais, assessores, secretárias, motoristas a perder de vista, e automóveis. Muitos e bons automóveis. Também se criou um exagerado número de deputados que reúnem pouco e que são completamente desnecessários, pelo menos da maneira que funcionam, mas cujos lugares são necessários para eles mesmos. Ser-se deputado deixou de ser uma função. Passou a ser uma profissão. Numerosa, bem paga e com direito a chorudas pensões vitalícias. Os deputados nos Açores são 52 para uma população de 241.763 habitantes. A manter-se uma proporção Lisboa deveria ter 2.150, os Estados Unidos 63.026 e a China 276.811 deputados. Alguns puristas, ainda assim, acham que temos poucos deputados. Os números demonstram que é o “Mundo” que está altamente penalizado!
Todas as vezes que muda um governo mudam-se centenas de administradores de empresas públicas que outra qualificação não têm do que o cartão do partido no poder. E, dada a desafogada situação económica, renovam-se também, os Directores-Gerais, os assessores, as secretárias e a frota automóvel dos diferentes departamentos governamentais, com a desculpa de que são lugares de «confiança política»!
Creio que o vulgar cidadão tem dificuldade em entender o que são lugares de «confiança política». Poderão ser da «conveniência dos políticos», mas seguramente não por razões técnicas. Não será o melhor gestor duma determinada empresa aquele que a desconhece por completo e que como curriculum só apresenta as credenciais partidárias. Percebe-se a intenção das nomeações para as empresas públicas dos políticos dispensados de funções governativas e que nada têm a ver com as referidas empresas. Por certo que não no interesse das empresas nem do país. Não seria lógico que houvesse nessas empresas uma carreira a que se teria acesso por concurso público e quem fosse técnicamente melhor ocupasse os lugares? Assim seria num país civilizado e sério, mas em Portugal será nomeado o que for o mais subserviente ao PS, ao PPD ou ao CDS.
Recentemente quando o governo PSD substituiu o do PS e o acusou de delapidar erário quase levando o pais à bancarrota e obrigando a renovados sacrifícios, ouvimos um coro de protestos do PS acusando o Governo de irresponsabilidade porque isso iria diminuir a confiança do povo e de eventuais investidores nacionais e estrangeiros. Agora, invertido o cenário, assistimos ao PS a acusar o PSD de “delapidar erário quase levando o país à bancarrota e obrigando a renovados sacrifícios” mas já não se fala no prejuízo de “diminuir a confiança do povo e de eventuais investidores nacionais e estrangeiros”.
Nunca vemos, da parte de qualquer governo, a vontade de aproveitar uma ideia que lhe seja sugerida por um opositor. São invariavelmente chumbadas na Assembleia, quantas vezes com prejuízo do país, só porque não partiram da bancada da maioria!
Assistimos frequentemente a longos e inúteis debates, por questões quantas vezes fúteis, em que uma bancada ou o governo propõe determinada lei que já tinha sido proposta pela agora oposição e que esta longamente debate a inconveniência de tal legislação que, num passado recente, tinha ela própria proposto aos deputados!!!
As lutas partidárias tornaram-se tão estéreis e ridículas como as partidas de futebol, onde impera o clubismo, o dinheiro, obscuros interesses económicos e não o interesse desportivo. A Assembleia transformou-se também num campo desportivo, onde imperam os interesses pessoais e partidários em detrimento dos interesses do país.
O deputado pode matar, roubar, ser pedófilo, etc., que está protegido pela tutelar Assembleia! Tem direito à impunidade!
Ao deputado é permitido, dada a situação de desafogo económico do país, viajar em 1ª classe e subdividir as passagens para levar a família, a amiga e o gatinho. E ter ajudas de custo! Já não é ilegal porque o Dr. Mota Amaral propôs e permitiu a legalização da trafulhice.
Aos políticos e aos administradores das empresas públicas são concedidas benesses que ao comum dos portugueses são negadas. Basta-lhe estar sentado durante doze anos – e às vezes nem isso – sem produzir rigorosamente nada, para ter direito a uma choruda pensão vitalícia!
Os ministros permitem-se o gozo de férias, quatro meses após o início de funções!!! O que não é permitido ao comum dos portugueses. Mas falam em acabar nos privilégios dos políticos…
Em Portugal fazer carreira política é ter o futuro assegurado. A política deixou de ser uma função para se tornar uma profissão. E rendosíssima!
Assistimos, já com indiferença, aos políticos prometerem a lua durante as campanhas eleitorais para depois de eleitos esquecerem as promessas que fizeram e com as quais conquistaram o eleitorado. Na vida civil chama-se a isso “publicidade enganosa” e os prevaricadores, se não tiverem “cunhas”, são habitualmente punidos. Ao político, como não é responsável, tudo é permitido. É inimputável! O que para o comum dos cidadãos não é um adjectivo lisonjeiro.
Já ninguém acredita nos benefícios da subida dos impostos e do aumento dos investimentos públicos. Sabe-se, por experiência, que o aumento dos impostos vai servir para aumentar a classe politica e alimentar as benesses que ela se atribui. Sabe-se, também por experiência, que os custos dos investimentos públicos “derrapam” sempre para benefício de quem os promove e não para benefício dos seus destinatários.
A Democracia deixou de ser um objectivo e uma atitude perante a vida, para se tornar num álibi. Para se ser democrata não é só preciso ser-se eleito. É imprescindível ter uma mentalidade e comportamento democrático, que definitivamente não encontramos nos nossos políticos. Tudo é permitido porque afinal são democratas e dizem defender o povo e o país. Como é óbvio…
Ainda agora, a propósito do TGV e da Ota ficamos a saber que os terrenos pertencem à ESAF – Espírito Santo Activos Financeiros – pertencente ao grupo do BES e que até Março de 2005 tinha como administrador Manuel Pinho, actual ministro da Economia. Elementar, meu caro Watson…

[1] Eça de Queirós, «Novos Factores da Política Portuguesa», Revista de Portugal, Volume II, Abril de 1890, págs. 526 – 541.
Carlos F. Afonso
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sexta-feira, setembro 02, 2005

Causas da decadência da Democracia Portuguesa III – 1926-1974

«Uma parte importante da nação perdeu totalmente a fé no parlamentarismo, e nas classes governamentais que o encarnam; e tende a substitui-la por outra coisa, que ela ainda não definiu bem a si própria.» ([1]) Eça de Queirós

O Decreto de 9 de Junho de 1926, dissolveu o Congresso da República, altura em que cessou de facto a vigência da Constituição de 1911, a qual só veio a ser substituída pelo texto constitucional que entrou em vigor em 11 de Abril de 1933. O país terá aderido ao 28 de Maio mais por cansaço do que por doutrina. “Qualquer coisa” seria melhor do que o que existia!

A revolta de 28 de Maio de 1926 põe fim à Primeira República portuguesa: dissolve as instituições políticas democráticas, extingue os partidos políticos e instaura uma ditadura militar. Se o movimento congregava de início diversas facções ideológicas desde republicanos conservadores a fascistas, depressa a figura do Ministro das Finanças nomeado em 1928, Oliveira Salazar, se irá definir como a principal referência política do novo regime.
Sem rejeitar teoricamente a forma republicana de governo, a nova Constituição de 1933 e as revisões de que foi objecto consagrava um Estado forte, recusando o demo-liberalismo; o nacionalismo corporativo, o intervencionismo económico-social e o imperialismo colonial constituíram as linhas mestras de um sistema de governo que, sobretudo a partir da Guerra Civil de Espanha, se caracterizou pela censura férrea das opiniões discordantes e pela repressão dos seus opositores. A pedra base de aplicação de tais métodos é constituída pela polícia política salazarista a PIDE. Apesar da severidade do regime que impôs, Salazar publicou em 14 de Maio de 1928 a Reforma Orçamental, contribuindo para que o ano económico de 1928-1929 registasse um saldo positivo, o que lhe granjeou enorme prestígio.
O que não impediu, porém, que, em 1958, a candidatura do general Humberto Delgado em oposição ao candidato do regime, Américo Tomás, apesar de derrotada, abalasse um regime que sobreviveu à morte de Salazar, ocorrida em 27 de Julho de 1970.
O seu sucessor, Marcelo Caetano, apesar de uma prometida e apaziguadora liberalização do sistema político, não consegue mais que uma mudança de nomes nas instituições repressivas e, sobretudo, vê-se a braços com as graves consequências de uma guerra colonial que se prolongava desde 1961. O que esteve, aliás, na origem de um novo movimento militar que, no dia 25 de Abril de 1974, irá depor o governo e conduzir à restauração da democracia. (
[2])

Mais uma vez não foi a doutrina nem o ideal que levaram ao restabelecimento da democracia. Para além da condenável ausência de liberdade de expressão e da existência duma antipática polícia política, foi muito principalmente o cansaço de uma guerra sem fim à vista…


[1] Eça de Queirós, «Novos Factores da Política Portuguesa», Revista de Portugal, Volume II, Abril de 1890, págs. 526 – 541.
[2] Centro de documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, http://www.uc.pt/cd25a/ospp_po/ospp05.html (3 de Agosto de 2005)
Carlos F. Afonso
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quinta-feira, setembro 01, 2005

Gosto de bricar com o fogo

Gosto de bricar com o fogo
de jogar com as palavras
adoro coisas perigosas
incómodas e jocosas

Gosto de coisas obscenas
de soltar as fantasias
brincadeiras maliciosas
perversamente gostosas

Nunca peguei numa arma
eu nunca matei um homem
nunca violei mulheres
nunca massacrei crianças

Neste mundo em chamas
neste planeta a arder
neste inferno na terra
temos tudo a perder

Gosto de brincar com o fogo
deitar achas p'rá fogueira
gozar os truques da mente
e confundir toda a gente

Interessa-me a puberdade
excitam-me as pernas das freiras
gosto de provocar danos
nas teias dos puritanos

Mas não se brinca com a fome
nem com a miséria alheia
a vida não vale nada
quando se trafica o sangue

Neste mundo em chamas
neste planeta a arder
neste inferno na terra
temos tudo a perder

(Jorge Palma, Norte)

Eu preferia hoje ouvir outras músicas, que não do Norte.
Mas esta, esta eu queria ouvir
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