Nos finais do séc. XVIII nasceu em Ponta Delgada um mercador,
Jacinto Ignácio Rodrigues da Silveira, futuro Barão de Fonte Bela e construtor da maior fortuna que por aqui houve.
Jacinto Ignácio Rodrigues da Silveira, é o exemplo de um homem que triunfou na vida. A sorte ajudou-o sempre. Casou com uma senhora nobre da ilha Terceira, de quem não teve filhos e de sucesso que lhe trouxe poucos bens.
Herdou o vínculo instituído por seu avô paterno, que ficou alodial, em sua vida na conformidade com a lei de 19 de Maio de 1863.
Teve a sorte de ser herdeiro de várias pessoas que não eram suas parentes, dada a sua imensa simpatia, sendo o caso mais frisante a herança do Dr. António Francisco de Carvalho, de quem era caixeiro (bem como do seus irmãos) que por testamento de 18 de Janeiro de 1810 lhe legou a sua imensa fortuna. Este fora herdeiro de seus irmãos, os Drs. Dâmaso José de Carvalho e Francisco Caetano de Carvalho, o primeiro Ouvidor Eclesiástico e o segundo Secretário da Câmara Municipal de Ponta Delgada.
Com esta herança adveio-lhe a administração do altar do Trânsito de S. José, na igreja do Recolhimento de Santa Bárbara, que tinha o dote de 1.020$000 reis de capital.
A quinta do Botelho, no Livramento, herdou-a destes Drs. Carvalhos. Ampliou a casa, acrescentando-lhe uma nova ala dotada com espaçosas salas e recheando-a com tudo o que havia de bom e caro. Aumentou o jardim, fazendo-lhe socalcos com ruas e escadarias. Na parte mais baixa do prédio mandou fazer um lago de margens recortadas, para ali bordejar entre bandos de patos e fleugmáticos cisnes. Entre as várias estatuetas que decoravam os canteiros do jardim havia uma estátua de Laocoonte, bem como azulejos, jarrões entremeados com variedade de flores. Criou uma "lapinha", tanto ao gosto micaelense, onde os cacos de louças finas formavam embrechados.
Para ter água em abundância em 1828 mandou-a encanar na serra de Água de Pau.
Mandou edificar o bonito fontanário situado defronte da casa, do Botelho, do qual, mais tarde, lhe adveio o título nobiliárquico – Barão da Fonte Bela.
Adquiriu o "Paço" dos Condes da Ribeira Grande, Capitães Donatários da Ilha de S. Miguel, em Ponta Delgada mandando-o demolir e edificando no mesmo local um magnifico palácio, o maior que existe nos Açores, com portões monumentais, grandes pátios, belos salões de tectos pintados onde concentrou tudo o que havia de bom e belo, com móveis de madeiras exóticas, lustres, espelhos, quadros, tapetes, etc. Na capela tinha um crucifixo de marfim atribuído ao célebre João de Ruão.
Mandou fazer um lindo jardim e plantou uma Quinta de laranjeiras, onde se detectou pela primeira vez em S. Miguel, a "lágrima" (cocus hesperidum), a doença que dizimou os laranjais, já conhecida em outras ilhas dos Açores.
Foi um homem de negócios não só por tradição familiar, mas também por ter uma rara intuição para o comércio. Tanto explorava uma rede de tabernas em Ponta Delgada, como se associava com outros na arrematação dos Dízimos ou na compra de navios.
No seu pendor para o comércio era parecido com
seu avô paterno, Simão José de Silveira, que foi primeiro desta família que veio para S. Miguel. Era natural do lugarejo de Fromariz, concelho de Coura, no Minho, onde nasceu em 23 de Dezembro de 1734. Seus pais foram Manuel Pires e Rosenda Rodrigues. Emigrou novo para Lisboa, onde tinha parentes que viviam de negócios. Exerceu profissões humildes em S. Pedro de Alcântara, em Lisboa. O ambiente em que viveu deu-lhe experiência e veio para a ilha de S. Miguel, parece que associado a esses parentes, para administrar os bens de grandes casas de quem que tinham arrematado as administrações, tais como a dos Ataídes, de Portugal, e a dos Condes da Ribeira Grande. Teve uma questão judicial com as religiosas de Santo André de Ponta Delgada, mas elas repelirem o desejo que teve de ser seu Síndico, acusando-o de demasiada avidez. Teve Patente de Vice-Cônsul da Suécia em 1752 e desempenhou o cargo de Feitor da Fazenda Real, de 1758 a 1760. Esteve estabelecido na Rua Nova da Matriz, chegando esta rua a ser designada pelo seu nome. Casou na Fajã de Baixo com uma irmã do Vigário daquele lugar. Instituiu um vínculo e veio a falecer em 16 de Julho de 1803.
Seu filho,
pai do futuro Barão da Fonte Bela, Jacinto Ignácio da Silveira, casou na Fajã de Baixo e também viveu do comércio, ampliando a fortuna herdada.
Os seus filhos que casaram fizeram-no em estratos sociais mais elevados e algumas filhas desposaram filhos segundos das principais casas de Ponta Delgada. É um dos casos mais frisantes de ascensão da burguesia micaelense.
Jacinto Ignácio Rodrigues da Silveira teve, em 25 de Fevereiro de 1805, patente de Vice-Cônsul de Nápoles e em 1821 fez parte do Governo Interino que se constituiu em S. Miguel. Teve oportunidade de receber o Duque de Bragança na sua casa do Botelho, aquando da sua estadia na ilha de S. Miguel, a preparar a expedição dos 7.500 Bravos do Mindelo. Para as despesas desta expedição fez três grandes empréstimos em dinheiro. Em 1883 fez parte de uma comissão encarregada de sequestrar os bens dos miguelistas e desempenhou muitos outros cargos. A sua nobilitação pode seguir-se pelos seguintes diplomas que o distinguiram: foi Fidalgo Cavaleiro da Casa Real por alvará de 9.11.1822; Barão de Fonte Bela por decreto de 3.3.1836; nomeado Governador Civil de Ponta Delgada por decreto de 15.7.1836, cargo que desempenhou até 15.7.1837. Ingressou no Conselho de D. Maria II. Foi-lhe concedida a comenda da Ordem de Cristo e teve concessão do uso de brasão de armas em 12.3.1838, tendo sido elevado a Par do Reino por Carta de 13.3.1842, cargo de que não chegou a tomar posse. Desempenhou ainda o cargo de Prefeito da Província Oriental dos Açores entre 6.6.1835 e Fevereiro de 1836. Pouco depois da sua morte, ocorrida em 20.12.1869, sua viúva foi agraciada com o título de Condessa de Fonte Bela, por decreto de 17.12.1870. (Nota de Hugo Moreira).
Foi herdeira do Barão de Fonte Bela, uma sua sobrinha, Inês Lucinda de Andrade Albuquerque Rodrigues da Silveira, 2ª Baronesa e 2ª Condessa de Fonte Bela, filha da sua irmã Mariana Augusta da Silveira, casada com José Jacinto d'Andrade Albuquerque de Bettencourt.
Como se referiu, resolveu o futuro barão construir, com a sua imensa fortuna, um
palácio em Ponta Delgada digno das suas posses. Para isso escolheu o
local onde se situava o Paço dos antigos capitães do donatário da Ilha, os Condes da Ribeira Grande, iniciado no séc. XVI ainda em vida do Dr. Gaspar Frutuoso que a eles se refere como “…e há paços, de fidalgos e homens poderosos, bem lavrados, afora os que agora começa o senhor Conde, quase no meio dela,…”.
Situava-se o Paço no
lado norte do Campo do Paço, depois Largo da Conceição e hoje Largo dos Mártires da Pátria, ocupando toda a vasta área delimitada pelo referido campo a sul, a Rua Coronel Silva Leal a poente, a rua Dr. Aristides Moreira da Mota, a norte e parte da Rua do Castilho.
Para fazer esta proeza, de 1817 a 1833, contratou Jacinto Inácio os melhores mestres que pode reunir e demoliu na sua totalidade, com a mentalidade do”parvenu” e o poder da sua imensa fortuna, o velho Paço dos Condes da Ribeira Grande, monumento grandioso com trezentos e tal anos ocupando uma vasta área no centro da cidade e constituído por residência, capela da invocação de Nossa Senhora da Piedade, um pequeno teatro – o único que houve em S.Miguel até ao séc. XIX, e onde em 1815 o governador Arriaga promoveu o festival celebrando os anos da Rainha – anexos, jardins, quinta e na sua ânsia de espaço, a Igreja de S.
Mateus que ocupava o lado nascente do Largo!
Embora de dimensões grandiosas o edifício, na minha modesta opinião de leigo, não tem uma especial beleza, nem equilíbrio. A fachada é constituída por extenso muro liso encimado por uma varandim de ferro, cujo ritmo é quebrado pelos dois corpos laterais cada um com duas janelas avarandadas que constituem, o da esquerda o salão de baile, hoje biblioteca do
liceu , com tectos preciosamente pintados a fresco e o da direita, a casa de jantar, com duas magnificas vitrines de mogno, embutidas na parede, de inspiração inglesa, mas muito provavelmente feitas em S.Miguel. É o palácio ladeado por dois portões de bela qualidade arquitectural, mas de desproporcionado tamanho para o local onde se inserem. Uma torre de volumetria exagerada domina o edifício. Nada que nos recorde a grandiosidade que seguramente tinha o velho Paço.
Se a estética do exterior não me parece muito relevante o seu interior, hoje muito deteriorado, é de dimensão funcionalidade e requinte notáveis.
Os jardins, pátios e quinta estão hoje praticamente destruídos pelas sucessivas adaptações e acrescentos que lhe foram fazendo, desde que foi adaptado a Liceu. Se outro destino lhe tivesse sido dado na altura, como sede do Governo Civil, em vez do insípido Palácio da Conceição, talvez hoje pudéssemos ter, em perfeito estado de conservação, aquela que foi a mais rica casa açoriana do séc. XIX.
A casa foi posta à venda pelos herdeiros do 3º Barão e 1º de Conde de Fonte Bela, desde 1908. A Câmara por várias vezes a tentou comprar mas não lhe chegou a verba. Em 22-12-1920, foi finalmente comprada para aí instalar o
Liceu, por 221.492 escudos insulanos pagáveis em 25 anos. Em 1923 o Estado vendeu os granéis da Rua do Castilho, à firma Bensaúde e C.ª por 131 contos e o espaço onde se situou a velha Igreja de S. Mateus, por 21 contos, à firma Azevedo e Suc. O custo do valioso edifício foi de apenas 70 contos!
Fotografia do Palácio Fonte Bela tirada do vizinho Solar de Nossa Senhora de Guadalupe
Fachada do Palácio Fonte Bela no tempo em que ainda era possível vê-lo em toda a sua dimensão
Local onde se situava a Igreja de S. Mateus a nascente do Largo e demolida para construir o Palácio Fonte Bela. É hoje uma estância de madeiras e armazém duma loja de ferragens
O Palácio Fonte Bela na actualidade
Carlos F. Afonso