quarta-feira, agosto 31, 2005

Causas da decadência da Democracia Portuguesa II – 1910-1926

«Em todas estas classes se encontra com efeito a mesma opinião expressa pela mesma fórmula: - “isto assim não pode continuar! “Isto” é a desorganização administrativa, política e económica». ([1]) Eça de Queirós

Instaurado o regime republicano inicia-se um período de intolerância contra as instituições monárquicas e religiosas acusadas, aliás injustamente, de todas as responsabilidades pelo caos e anarquia que reinaram no séc. XIX. O caos, a anarquia, a corrupção e a falta de visão estratégica não estavam afinal no regime mas sim nas pessoas, como depois se pôde constatar…

O texto constitucional foi aprovado, após largo debate, em 21 de Agosto de 1911, pela Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio directo, em consequência da revolução republicana de Outubro de 1910. Em 1915, durante a breve ditadura de Pimenta de Castro, foi suspensa. Em 1917, em virtude da revolta militar de 5 de Dezembro, Sidónio Pais quebrou por uma forma mais perdurável a legalidade constitucional, fazendo publicar, ditatorialmente, o Decreto n.º 3997, que veio instituir uma orientação presidencialista, anti-parlamentar e acentuadamente autocrática. Mas em seguida à morte do Ditador (14­12-1918) o Congresso repôs em vigor a Constituição de 1911. A Constituição veio a ser revista pela primeira vez em 1916. Por sucessivas leis de 1919, 1920 e 1921, a Constituição foi sujeita a alterações, sendo as mais importantes: o direito concedido ao presidente da República de dissolver as Câmaras; a regulamentação escrita dos poderes do Governo durante o período de dissolução do Congresso; a aprovação das bases da reforma da administração ultramarina, no sentido duma larga autonomia.
As principais fontes daquele texto são a Constituição Republicana brasileira de Fevereiro de 1891 e as Constituições do nosso regime liberal, sobretudo a de 1822, que é a mais radical de todas. Exerceu também considerável influência no texto constitucional de 1911 o programa do Partido Republicano. O poder legislativo é exercido pelo Congresso da República, formado por duas Câmaras, que se denominam Câmara dos Deputados e Senado, eleitas pelo sufrágio directo dos cidadãos eleitores. Os deputados são eleitos por três anos e os senadores por seis anos. Ao Congresso compete entre outras funções: Eleger o Presidente da República, deliberar sobre a revisão da Constituição. A secção II do título III trata do poder executivo. Este é exercido pelo Presidente da República e pelos ministros. (
[2])

São promulgados os decretos que expulsam os Jesuítas e encerram os conventos, tanto os masculinos como os femininos. Os presos pertencentes a associações secretas são libertados. O objectivo é libertar os membros da Carbonária, a organização bombista republicana. As perseguições religiosas, durante a primeira semana de governo republicano, fazem com que nas prisões de Lisboa estejam encarcerados 128 padres e 233 freiras, tendo sido assassinados dois padres lazaristas. Na Universidade de Coimbra a Sala dos Capelos é destruída, e os retratos dos reis D. Carlos e D. Manuel baleados, no decurso de uma manifestação contra os professores monárquicos e a universidade fradesca. O direito à greve e ao lock-out é severamente restringido, por um decreto que ficará conhecido pelo decreto burla. A Carbonária manifesta-se em Lisboa contra o movimento grevista, fazendo desfilar os chamados batalhões de voluntários da República. O culto católico é proibido na capela da Universidade de Coimbra. Continuação da repressão política, com a destruição do Centro Académico de Democracia Cristã. A Lei do recrutamento instaura teoricamente, mas não de facto, o recrutamento universal. O sistema oficial das remissões – pagamento de um substituto – acaba, mas é substituído pelo sistema - corrupto – de pagamento para se ficar «não apto». Em Março de 1911 abre-se um conflito entre Afonso Costa, que enquanto ministro da Justiça estava encarregado de supervisionar os Cultos, e os bispos, devido à pastoral de 23 de Fevereiro, que o ministro queria ter censurado previamente, afirmando que negava o beneplácito do governo, o antigo beneplácito régio, vindo do século XIV. Promulga-se a Lei eleitoral. O sufrágio universal, uma das principais bandeiras do partido republicano, não é estabelecido. Lançam-se bombas sobre o cortejo de homenagem a Camões, que era constituído fundamentalmente por crianças. O governo Afonso Costa retira o direito de voto aos chefes de família analfabetos. O sufrágio universal continua a não ser aplicado em Portugal, ao contrário de países como a Alemanha, Itália, Áustria, Montenegro, Suécia e Suiça. O número de eleitores continua igual ao existente no tempo da monarquia. O presidente da república, Manuel de Arriaga, demite o governo do partido democrático e encarrega, em ditadura, isto é, sem que o Congresso tivesse em sessão, o general Pimenta de Castro de formar um novo governo com intenção de preparar eleições. A participação dos militares nos assuntos políticos torna-se cada vez maior. Os deputados do Partido Democrático de Afonso Costa são proibidos de entrar no Parlamento. Os deputados e senadores democráticos reunidos em Loures, no Palácio da Mitra, aprovam uma moção declarando o ministério fora-da-lei. Em Lisboa, grupos tumultuosos de pessoas assaltam armazéns e padarias à procura de comida. Aproveitando a situação republicanos civis e militares levam a efeito um movimento revolucionário que provoca centenas de mortos e feridos. Afonso Costa sofre um traumatismo craniano quando se atira para fora de um eléctrico devido ao medo de um atentado bombista. Vários professores de Coimbra são suspensos, entre os quais Salazar, Fezas Vital, Magalhães Colaço e Carneiro Pacheco, Diogo Pacheco de Amorim e Mendes dos Remédios. Nova lei do arrendamento, que proíbe o aumento das rendas de casa. Decreto do governo repõe em vigor uma lei de João Franco – a célebre lei celerada – contra os delitos de tipo social. O novo diploma pune bombistas, com possibilidade de degredo para o Ultramar. Em 11 de Maio de 1919 realizam-se as eleições, marcadas para 13 de Abril mas adiadas, com vitória dos democráticos. Apenas 7% dos eleitores participaram. O governo escolhido por Fernandes Costa não chega a tomar posse, face a uma manifestação de rua, dirigida pelos radicais do partido democrático, conhecidos pelo nome colectivo de «formiga branca». Continuam os atentados terroristas e as greves. O ministro das finanças Cunha Leal reconhece que Portugal se encontra sem recursos em Lisboa e a descoberto em Londres, afirmando que o país está «sem recursos necessários para comprar o pão-nosso de cada dia». Golpe de 19 de Outubro de 1921, conhecido pela Noite Sangrenta. São assassinados António Granjo, Machado dos Santos, Carlos da Maia, Freitas da Silva, Botelho de Vasconcelos, entre outros. O assassino de Sidónio Pais é libertado e homenageado. O coronel Manuel Maria Coelho é empossado na presidência do governo por António José de Almeida. O golpe é promovido por radicais e dissidentes do partido democrático. A 28 de Abril de 1922 com a promulgação da Lei do garrote são suspensas novas entradas na função pública. Devido à proibição pela censura da peça de teatro Mar Alto, de António Ferro, Fernando Pessoa, Raul Brandão, António Sérgio, Jaime Cortesão e Aquilino Ribeiro divulgam um protesto público… ([3])
Durante toda 1ª República, para além de numerosas greves, assassinatos políticos, terrorismo bombista houve, uma constante instabilidade política motivada, raríssimas vezes, por monárquicos descontentes, mas na sua larga maioria pela cegueira e ambição política dos próprios republicanos, incapazes de se entenderem e fazerem um pacto de regime! Tal como agora, a inexistência duma cultura democrática e sobretudo a ambição pessoal e o poder, sobrepunham-se aos interesses do povo e do país!
Foram estes os motivos, para além da ambição dos militares e a inépcia dos “democratas” de então, que conduziram à revolta militar de 1926, que com o inegável apoio dum país, cansado de violência e instabilidade, conduziu à Ditadura Militar e ao Estado Novo.

[1] Eça de Queirós, «Novos Factores da Política Portuguesa», Revista de Portugal, Volume II, Abril de 1890, págs. 526 – 541.
[2] O Portal da História, http://www.arqnet.pt/portal/portugal/liberalismo/const911.html (3 de Agosto de 2005)
[3] O Portal da História, http://www.arqnet.pt/portal/portugal/liberalismo/lib1910.html (23 de Agosto de 2005)
Carlos F. Afonso
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