Causas da decadência da Democracia Portuguesa I – 1820 a 1910
«…entre nós têm-se visto governos que parecem absurdamente apostados em errar, errar de propósito, errar sempre, errar em tudo…» ([1]) Eça de Queirós
A palavra democracia significa sob o ponto de vista etimológico o governo exercido pelo povo. DEMOS quer dizer povo e KRATOS, autoridade ou governo.
Hoje em dia para além da forma de governo, a democracia envolve uma mentalidade democrática que implica, da parte dos cidadãos e governantes, o respeito pela dignidade, liberdades e direitos individuais.
O conceito vem-nos da Antiguidade, do séc. V antes de Cristo, quando nalgumas cidades gregas o poder era exercido de forma democrática e posteriormente reforçado, devemos reconhecê-lo, pelos princípios do Cristianismo, em que todas as pessoas eram iguais perante Deus, independentemente de serem escravos ou cidadãos livres. ([2])
Em Portugal essa forma de organização governativa foi inaugurada, com algumas interrupções, pela instauração do regime liberal de 1820, muito embora no aspecto teórico e formal sempre tenha havido, ainda que irregularmente, reuniões das Côrtes, em que o rei reunia com os representantes das forças vivas da nação, auscultando os desejos das diferentes classes sociais, mas sem carácter vinculativo ou qualquer poder de decisão.
Com o liberalismo e mais tarde o socialismo esperava-se que o cidadão, liberto das garras do absolutismo, ascendesse finalmente à liberdade, à igualdade e ao poder. Na verdade, é um facto que o Liberalismo pressupõe que todos os homens nascem iguais, tal como a Democracia, mas diferencia os mais aptos, pelo talento, pela inteligência, pela cultura e também pelo poder económico, como capazes de exercer o poder sobre os menos afortunados. ([3])
Com o Socialismo pretende-se, talvez de forma utópica, um verdadeiro equilíbrio social, governando-se em favor desses mais “desfavorecidos” quer intelectual quer socialmente. Estaríamos portanto perante uma forma mais avançada de Democracia, conceito com conotações diferentes entre comunistas e socialistas. Se para os comunistas o poder deve ser exercido pela criação revolucionária de uma oligarquia totalitária que supostamente defende os interesses dos desfavorecidos, para os socialistas esse poder deve ser exercido de forma democrática, lenta e progressivamente, por via reformista, não afrontando as classes sociais economicamente dominantes e procurando manter um equilíbrio social pacífico.
Os princípios da Revolução Francesa introduzidos na Península com a Constituição de Cadiz, foram a fonte inspiradora da Constituição de 1822. A sua radicalidade em relação ao Antigo Regime conduziu à Carta Constitucional de 26. A Carta Constitucional representou um compromisso entre a doutrina da soberania nacional, adoptada sem restrições pela Constituição de 1822, e o desejo de preservar os direitos régios, o que descontentou os vintistas, que eram mais radicais, e os absolutistas, bastante mais conservadores.
A Carta vigorou durante três períodos:
- O primeiro entre Julho de 1826 e Maio de 1828, data em que D. Miguel convocou os três Estados do Reino, que o aclamaram rei e decretaram nula a Carta Constitucional;
- O segundo iniciou-se em Agosto de 1834, com a vitória do Partido Liberal na Guerra Civil e a saída do País de D. Miguel, e termina com a revolução de Setembro de 1836, que proclama de novo a Constituição de 1822 até se elaborar nova Constituição, o que sucedeu em 1838;
- O terceiro período começa com o golpe de Estado de Costa Cabral, em Janeiro de 1842, e só termina em 1910, com a República. Durante este último período sofreu três revisões profundas, em 1852, 1885 e 1896. ([4])
Quando o descrédito das instituições políticas monárquicas desceu a níveis considerados insustentáveis (?), implantou-se um regime republicano, teoricamente mais justo e democrático, com o anunciado intuito de modernizar a sociedade portuguesa.
A obra liberal de 1834 – convém nunca o perder de vista – foi inteiramente semelhante à obra republicana de 1910. Nos homens dessas duas invasões é idêntico o espírito de violência, de anarquismo e de extorsão. Dá-se todavia entre uns e outros uma considerável diferença de capacidade. Os de 34, de que faziam parte Herculano, Garrett e Castilho, eram espíritos oriundos da Academia da História, da livraria das Necessidades ([5]) e do colégio de S. Roque ([6]). Os novos revolucionários de 1910, com excepção honrosa dos que não sabem ler, não tiveram por decuriões senão os seus predecessores revolucionários liberais de 34. E daí para trás – o que quer dizer daí para cima – nunca abriram um livro com medo da infecção clerical, porque todos eles acreditam com fetichistico ardor que o clericalismo é o inimigo, … ([7])
[1] Eça de Queirós, «Novos Factores da Política Portuguesa», Revista de Portugal, Volume II, Abril de 1890, págs. 526 – 541.
[2] http://educaterra.terra.com.br/voltaire/index_politica.htm (terça-feira, 23 de Agosto de 2005)
[3] Fabrício Gustavo Dillemburg Democracia e Liberalismo: um estudo fundamentado em ideias de René Rémond. http://www.nethistoria.com/index.php?pagina=ver_texto&titulo_id=101 (terça-feira, 23 de Agosto de 2005)
[4] O Portal da História, http://www.arqnet.pt/portal/portugal/liberalismo/carta826.htm l (3 de Agosto de 2005)
[5] A «livraria», ou biblioteca, das Necessidades era uma biblioteca pública que servia o hospício da Congregação do Oratório, doado por D. João V em 1747, e onde se leccionava Doutrina Cristã, Gramática, Retórica, Teologia Moral e Filosofia, assim como aulas práticas de Física. Tornou-se no reinado de D. José I a escola preparatória preferida para os filhos dos altos dignitários da Corte.
[6] O Colégio de S. Roque, era o colégio dos noviços da Companhia de Jesus.
[7] Ramalho Ortigão, Carta de um velho a um novo. Carta dirigida a João do Amaral e publicada no diário A Restauração
A palavra democracia significa sob o ponto de vista etimológico o governo exercido pelo povo. DEMOS quer dizer povo e KRATOS, autoridade ou governo.
Hoje em dia para além da forma de governo, a democracia envolve uma mentalidade democrática que implica, da parte dos cidadãos e governantes, o respeito pela dignidade, liberdades e direitos individuais.
O conceito vem-nos da Antiguidade, do séc. V antes de Cristo, quando nalgumas cidades gregas o poder era exercido de forma democrática e posteriormente reforçado, devemos reconhecê-lo, pelos princípios do Cristianismo, em que todas as pessoas eram iguais perante Deus, independentemente de serem escravos ou cidadãos livres. ([2])
Em Portugal essa forma de organização governativa foi inaugurada, com algumas interrupções, pela instauração do regime liberal de 1820, muito embora no aspecto teórico e formal sempre tenha havido, ainda que irregularmente, reuniões das Côrtes, em que o rei reunia com os representantes das forças vivas da nação, auscultando os desejos das diferentes classes sociais, mas sem carácter vinculativo ou qualquer poder de decisão.
Com o liberalismo e mais tarde o socialismo esperava-se que o cidadão, liberto das garras do absolutismo, ascendesse finalmente à liberdade, à igualdade e ao poder. Na verdade, é um facto que o Liberalismo pressupõe que todos os homens nascem iguais, tal como a Democracia, mas diferencia os mais aptos, pelo talento, pela inteligência, pela cultura e também pelo poder económico, como capazes de exercer o poder sobre os menos afortunados. ([3])
Com o Socialismo pretende-se, talvez de forma utópica, um verdadeiro equilíbrio social, governando-se em favor desses mais “desfavorecidos” quer intelectual quer socialmente. Estaríamos portanto perante uma forma mais avançada de Democracia, conceito com conotações diferentes entre comunistas e socialistas. Se para os comunistas o poder deve ser exercido pela criação revolucionária de uma oligarquia totalitária que supostamente defende os interesses dos desfavorecidos, para os socialistas esse poder deve ser exercido de forma democrática, lenta e progressivamente, por via reformista, não afrontando as classes sociais economicamente dominantes e procurando manter um equilíbrio social pacífico.
Os princípios da Revolução Francesa introduzidos na Península com a Constituição de Cadiz, foram a fonte inspiradora da Constituição de 1822. A sua radicalidade em relação ao Antigo Regime conduziu à Carta Constitucional de 26. A Carta Constitucional representou um compromisso entre a doutrina da soberania nacional, adoptada sem restrições pela Constituição de 1822, e o desejo de preservar os direitos régios, o que descontentou os vintistas, que eram mais radicais, e os absolutistas, bastante mais conservadores.
A Carta vigorou durante três períodos:
- O primeiro entre Julho de 1826 e Maio de 1828, data em que D. Miguel convocou os três Estados do Reino, que o aclamaram rei e decretaram nula a Carta Constitucional;
- O segundo iniciou-se em Agosto de 1834, com a vitória do Partido Liberal na Guerra Civil e a saída do País de D. Miguel, e termina com a revolução de Setembro de 1836, que proclama de novo a Constituição de 1822 até se elaborar nova Constituição, o que sucedeu em 1838;
- O terceiro período começa com o golpe de Estado de Costa Cabral, em Janeiro de 1842, e só termina em 1910, com a República. Durante este último período sofreu três revisões profundas, em 1852, 1885 e 1896. ([4])
Quando o descrédito das instituições políticas monárquicas desceu a níveis considerados insustentáveis (?), implantou-se um regime republicano, teoricamente mais justo e democrático, com o anunciado intuito de modernizar a sociedade portuguesa.
A obra liberal de 1834 – convém nunca o perder de vista – foi inteiramente semelhante à obra republicana de 1910. Nos homens dessas duas invasões é idêntico o espírito de violência, de anarquismo e de extorsão. Dá-se todavia entre uns e outros uma considerável diferença de capacidade. Os de 34, de que faziam parte Herculano, Garrett e Castilho, eram espíritos oriundos da Academia da História, da livraria das Necessidades ([5]) e do colégio de S. Roque ([6]). Os novos revolucionários de 1910, com excepção honrosa dos que não sabem ler, não tiveram por decuriões senão os seus predecessores revolucionários liberais de 34. E daí para trás – o que quer dizer daí para cima – nunca abriram um livro com medo da infecção clerical, porque todos eles acreditam com fetichistico ardor que o clericalismo é o inimigo, … ([7])
[1] Eça de Queirós, «Novos Factores da Política Portuguesa», Revista de Portugal, Volume II, Abril de 1890, págs. 526 – 541.
[2] http://educaterra.terra.com.br/voltaire/index_politica.htm (terça-feira, 23 de Agosto de 2005)
[3] Fabrício Gustavo Dillemburg Democracia e Liberalismo: um estudo fundamentado em ideias de René Rémond. http://www.nethistoria.com/index.php?pagina=ver_texto&titulo_id=101 (terça-feira, 23 de Agosto de 2005)
[4] O Portal da História, http://www.arqnet.pt/portal/portugal/liberalismo/carta826.htm l (3 de Agosto de 2005)
[5] A «livraria», ou biblioteca, das Necessidades era uma biblioteca pública que servia o hospício da Congregação do Oratório, doado por D. João V em 1747, e onde se leccionava Doutrina Cristã, Gramática, Retórica, Teologia Moral e Filosofia, assim como aulas práticas de Física. Tornou-se no reinado de D. José I a escola preparatória preferida para os filhos dos altos dignitários da Corte.
[6] O Colégio de S. Roque, era o colégio dos noviços da Companhia de Jesus.
[7] Ramalho Ortigão, Carta de um velho a um novo. Carta dirigida a João do Amaral e publicada no diário A Restauração
Carlos F. Afonso
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