domingo, outubro 10, 2004

Ponta Delgada – Vandalismo Cultural ou Desenvolvimento? - X



Forte de S. Pedro em 1936, vendo-se a Igreja , a casa de Thomas Hickling e um hidroavião amarando em frente ao forte

Chegados ao fim da Rua João Melo Abreu esta subdivide-se em duas num local antigamente chamado da Fontinha de S. Pedro, provavelmente pelo facto de ali ter existido uma fonte.
A rua que fica a sul, leva-nos ao lado norte do Largo de S. Pedro, hoje Almirante Dunn com a bonita Igreja do Apóstolo S. Pedro do séc.XVI, construída no local da primitiva ermida quinhentista da mesma invocação e contemporânea de Frutuoso que ainda se refere ao início da construção da nova igreja. Muito arruinada foi restaurada no séc.XVII.

O Contra Almirante Herbert Owar Dunn (1857-1939), cidadão honorário de Ponta Delgada, faleceu em Baltimore, no dia 6 de Março de 1939. Foi o primeiro comandante da base naval dos Estados Unidos da América em S. Miguel, estabelecida em 1918 e desmobilizada em 1 de Setembro de 1919. Mereceu, por isso, a medalha de Serviços Distintos, do Governo dos Estados Unidos, e a condecoração com o grande oficialato da Ordem de Avis, pelo Governo Português. Na sua acção local de benemérito reconhecida em sucessivas manifestações populares de apreço e homenagem, destaca-se o apoio decisivo às autoridades portuguesas e aos médicos micaelenses no combate à epidemia de gripe pneumónica que deflagrou em Outubro de 1918, sem o qual não se pode calcular até onde teria subido o número de dois mil mortos os que chegou a registar-se em S. Miguel. Em 19 de Março de 1919, sob proposta do vogal Evaristo Ferreira Travassos, a Câmara Municipal criou o título de “Cidadão Honorário de Ponta Delgada”, atribuindo-o, pela primeira vez, ao Almirante Dunn. A Câmara Municipal atribuiu ainda o seu nome ao local onde residiu em Ponta Delgada, procedendo ao descerramento da lápide toponímica a 13 de Abril de 1919. Morava no Almirantado Americano situado a poente neste largo na antiga casa dos finais de setecentos e princípios de oitocentos de Thomas Hickling hoje Hotel de S. Pedro. ( in José Andrade, A Face Humana da Toponímia de Ponta Delgada, Ed. da CMPD, 2001).

Thomas Hickling, já aqui referido, nasceu em Boston, Massachusetts a 21-2-1745 e casou aos 19 anos com Sarah Emily Green de quem teve dois filhos: William e Catherine. O Pai ,um gentleman inglês fiel ao seu Rei, temendo que viesse a ser preso e a colocar toda a família em posição difícil, uma vez que Thomas Hickling era partidário da revolução independentista americana, enviou-o para Ponta Delgada onde chegou em 1769, deixando a mulher e os dois filhos na América.
Nunca mais voltou aos Estados Unidos. Em 1778, após a morte da 1º mulher, casou com Sarah Falder, que aqui arribara com os pais após um naufrágio, nascida em Filadélfia e de quem teve 14 filhos.
Nos Açores foi dos pioneiros na cultura e comércio da laranja entre os Açores, Inglaterra e a Rússia que floresceu no ultimo quartel do séc. XVIII e primeira metade do séc. XIX.
Foi um dos homens mais ricos dos Açores e possuía algumas das casas mais bonitas de S. Miguel, uma das quais a do hoje Hotel de S. Pedro, em estilo Georgiano colonial que começou a ser construído em 1812.
Desde 1770 se interessou pelas Furnas e foi o primeiro a descobrir o interesse do local como estância de termal, de veraneio e lazer. Construiu um pavilhão, jardim e tanque de água férrea a que chamou “Yankee Hall".
Em 1795, já depois da independência dos Estados Unidos, foi nomeado Cônsul dos Estados Unidos nos Açores e Conselheiro em Portugal, cargo que se manteve na família por mais de 100 anos e, posteriormente, cônsul da Rússia.
Uma das mais notáveis residências que aqui construiu, por volta de 1802, foi a da Quinta da Glória, em Rosto de Cão. Para tal empreendimento mandou vir mestres dos Estados Unidos que colaboraram com artesãos locais. Tinha esta casa um dos mais bonitos jardins de S. Miguel, hoje totalmente desaparecido. Visitei esta esplêndida residência há 20 anos e, apesar da degradação e abandono a que inexplicavelmente está votada, continua a ser, ainda hoje, um magnífico exemplar de arquitectura pela sua beleza, funcionalidade e qualidade de construção.
Duas das suas filhas, Elisabeth e Anne, casaram com William Ivens, um inglês aqui chegado em circunstâncias rocambolescas. Elisabeth foi avó do grande explorador do séc. XIX Roberto Ivens. A filha do 1º casamento de Thomas Hickling, Catherine, visitou-o em S. Miguel em 1786, praticamente para o conhecer, uma vez que ficara a viver com os Avós nos Estados Unidos.



Antigo Cais de S. Pedro, foto tirada da torre da Igreja da Graça, vendo-se a Casa Hickling e a casa que lhe está anexa, onde funcionou o Externato do Infante com um jardim alto e fortemente murado e a igreja de S. Pedro




Igreja de São Pedro actualmente

A rua continua pela Rua dos Clérigos até ao Largo da Graça, hoje Largo de Camões, pequeno espaço vagamente triangular resultante da convergência das duas ruas, Clérigos e Ernesto do Canto, para onde seguiremos amanhã.

| Arquivo de Comentários Antigos