MELO ANTUNES – Um Sonhador Pragmático
«Foi o mais coerente e talvez o mais importante dos actores do processo revolucionário português» Ramalho Eanes
Acabo de ler, num fôlego, a excelente série de entrevistas de Maria Manuela Cruzeiro a Melo Antunes, gravadas de 1995 a 1997 e agora lançadas em livro pelo Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, em edição da Editorial Notícias e do Círculo de Leitores.
Foi com imensa curiosidade que revivi o percurso desta figura mítica da minha juventude, mas confesso que a sua leitura nada acrescentou à admiração que sempre tive pelo seu carácter íntegro, pela sua lucidez e poderosa inteligência. Nunca procurou a ribalta, nunca se pôs em bicos de pés para nada, não tirou benefício de nada – bem pelo contrário só se prejudicou pelas posições que tomou quer antes, quer durante quer depois do 25 de Abril. Saiu da Revolução com as mãos tão limpas como quando entrou.
Verdadeiro ideólogo do MFA, assumiu com mais facilidade os seus próprios erros do que as vitórias que conseguiu durante a Revolução, com a humildade própria dos verdadeiramente grandes e despretensiosos. Socialista convicto, atribuiu como prioridade a Democracia, deixando ao povo português a livre escolha dum sistema político, mesmo que contrário às suas convicções ideológicas.
Outros, branqueando a sua própria conduta e responsabilidades, aproveitaram-se da sua modéstia e desapego do poder, para colheram os louros que seguramente lhe pertenciam e ocuparam lugares que, tivesse ele outras ambições, lhe estariam inevitavelmente reservados.
Uma simples frase sua, proferida logo no rescaldo do 25 de Novembro e que tão má aceitação teve na altura, salvou o PC da destruição e restitui-nos a democracia que, doutra maneira, seria hoje apenas uma caricatura.
Que Mário Soares o tenha ignorado, não me espanta. Por detrás da sua aparente bonomia esconde-se uma vaidade desmedida e a incapacidade de se rever no seu verdadeiro lugar, aceitando uma subalternização do seu papel na Revolução.
Espanta-me contudo que Jorge Sampaio, seu Secretário de Estado no Ministério dos Negócios Estrangeiros, supostamente seu amigo e ideologicamente próximo, o esqueça, recusando-lhe a homenagem que o Portugal Democrático lhe deve, ao mesmo tempo que homenageia figuras menores e desconhecidas ou até figuras que atentaram contra a própria Democracia!
Curiosamente é sob e égide da pasta de Paulo Portas que, em 2004, é promovido a título póstumo!!!
Não chegou a fazer 80 anos, morreu com apenas 66, mas recordo-o nesta hora nas palavras de José Manuel Barroso: “A nossa democracia deve-lhe muito. Deve-lhe quase tudo.”
Poderá ser ingrata a memória dos homens, mas seguramente a História lhe fará justiça…
Carlos F. Afonso
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