segunda-feira, setembro 06, 2004

A República "dos" bananas

"O poder em Portugal – democrático ou autocrático, monárquico ou republicano, de direita ou de esquerda – sempre foi exercido com arrogância e prepotência e são raríssimos os casos de políticos que se sacrificaram ou prejudicaram pelo exercício de funções públicas.
Quando faltam aos seus compromissos, mentem ou praticam actos de corrupção constitui-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito, sabiamente nomeada pelo próprio poder, tendo o cuidado de ter o seu partido em maioria, de modo a que a culpa seja sempre das circunstâncias pouco favoráveis, da ineficácia e maledicência da “insignificante” oposição, ou mesmo do povo, supostamente soberano, mas que na sua “imensa sabedoria” (terminologia usada pelo partido vencedor na hora em que ganha as eleições) não teria compreendido a mensagem que lhe queriam transmitir (terminologia do partido na hora em que perde as eleições).
Nunca a culpa poderá ser do político ou da má política e em caso algum lhe poderão ser pedidas responsabilidades. Ao contrário de outros deuses conhecidos que sempre nos indicaram o caminho pelo seu exemplo, este DEUS, curiosamente, exige dos outros a perfeição, a submissão e o espírito de missão que no fundo ele próprio não pratica. A este pastor compete tão só indicar o caminho ao seu rebanho, mas o seu é outro e bem diferente.
Lembro-me de há anos o chanceler Willy Brandt se ter demitido porque um seu secretário tinha sido condenado por espionagem a favor da Alemanha Oriental, assumindo com dignidade a responsabilidade política de tal situação. Aos olhos de países como o Burundi, Uganda, Congo e Portugal, tal atitude seria impensável e só mostrou a falta de inteligência e de capacidade política de Willy Brandt e o erro que cometeu não consultando estes países sobre a atitude que deveria tomar.
Já assistimos a um ministro não se ter responsabilizado politicamente pelas irregularidades cometidas no seu Ministério pelo seu Secretário de Estado e um seu familiar!... Também assistimos, pasmados, a uma Assembleia votar para os seus deputados aumentos de 50% sobre os seus vencimentos, enquanto ao povo era concedida a décima ou vigésima parte daquele aumento. Assistimos, apáticos, a uma Assembleia funcionar escassos meses por ano, produzindo muito pouco e perdendo-se em intermináveis e inúteis discussões que só interessam aos próprios, para justificar os chorudos ordenados que auferem e os inegáveis privilégios que usufruem. Lembremos tão sómente, o escandaloso direito à reforma se estiverem sentados na Assembleia, algumas horas, durante 12 anos! Acabamos de saber que o primeiro gesto dos novos ministros foi requisitar 50 carros topo de gama para seu uso!
Até Mota Amaral – o puro, o beato, o incorruptível – acaba de legalizar, quase à socapa, a escandalosa vigarice das viagens fantasma dos srs. deputados, que deveriam ser “obrigados” a viajar em classe turística como qualquer cidadão, ainda por cima viajando à custa do erário público dum país arruinado!
Tudo isto a propósito da notícia do Independente sobre as múltiplas requisições da Dr. Luísa César para exercer as “funções protocolares que lhe são exigidas” (nas palavras do Presidente do Governo Regional). Não sendo ilegal ao que parece, é a meu ver imoral que se prolonguem requisições a um funcionário público para exercer funções de decoradora, protocolares (jantares, festas, viagens, …???) ou mesmo caritativas.
Ao que parece para se ser Presidente do Governo Regional não se pode ser solteiro, divorciado, viúvo ou casado com uma funcionária pública.
Tudo me parece se resolveria, com dignidade inatacável e irrepreensível, com uma simples “licença sem vencimento”.
Mas afinal continuaremos a viver, com um patriotismo idiota, numa república onde os bananas somos nós."

Carlos Falcão Afonso

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