O Senhor Santo Cristo dos Milagres
Depois do Nuno ter “postado” sobre os preparativos para a Festa do Senhor Santo Cristo dos Milagres no seu Ponta Delgada, resolvi trazer-vos aqui um pouco das minhas recordações dessa festa e desse culto.
Para quem não conhece é uma festa que, tendo o pretexto religioso, como tantas outras festas do género não prescinde – e na minha opinião até exagera - do seu lado pagão e social (e em ano de eleições regionais, como refere o Nuno, pelos vistos também se espera a exploração do lado propagandista, o que é assaz vergonhoso).
Vivi estas festas na minha infância, tanto do ponto de vista religioso - assistindo e/ou participando na procissão e orando perante a imagem do Senhor Santo Cristo no final da tarde ou na noite de Sábado, na Igreja onde ela pernoita – como do ponto de vista social e pagão – porque nesses dias, as restrições parentais de saídas desvaneciam-se, sendo-me permitido ficar nas “tasquinhas” e a passear por Ponta Delgada até horas mais tardias.
Ponta Delgada, ou melhor, Campo de São Francisco e Avenida Marginal que se enfeitavam de luz e gente.
Contam-me que, muito antes de eu ter ido viver para Ponta Delgada, assistindo pela primeira vez à procissão - e provavelmente a primeira vez que assistia a algo de semelhante – avistei uma pessoa conhecida que seguia no cortejo. Desatando eu a chamar a dita pessoa – um senhor que ainda por cima tinha patente militar - envergonhei o pobre do senhor e toda a minha família e respectivos amigos que se encontravam nas varandas a assistir. Envergonhei-os mas devo tê-los divertido também. Mas que querem? Põe crianças a assistir a coisas destas, e ainda por cima continentais que não estão habituados a encontrarem por acaso, e sem combinações prévias, caras conhecidas, depois não se admirem!
Revivi estas festas, mais no seu pendor religioso do que no pagão, passados treze anos, há três anos atrás.
Não que seja supersticiosa mas não aguardarei mais 13 anos.
A Imagem
(Eduardo Costa)
Durante toda a minha vida ouvi contar a história da imagem do Senhor Santo Cristo pela minha tia Ita. Com a sua habitual simpatia recebia os visitantes no Convento da Caloura a quem relatava, com muita paciência e graça, a história do Convento que vinha sendo investigada pelo seu marido, o meu tio António.
Essa história do Convento de "Vale da Cabaços" nascia com as filhas de um senhor de Vila Franca do Campo (Jorge Mota) que foram a Roma pedir ao Papa a Bula Apostólica para a edificação do Convento, e que regressaram de Roma com a Bula e com a imagem.
Passados uns anos e porque - como retive das palavras da minha tia - o local era fortemente sujeito a ataques dos corsários, as freiras de "Vale de Cabaços" mudaram-se, umas para Vila Franca do Campo e outras para Ponta Delgada (para o Convento da Esperança). Estas últimas levaram consigo a imagem do Senhor Santo Cristo.
A história do Convento da Caloura continuava. Se apenas eu, e quem a ouviu, pode lembrar com ternura a tia Ita contando esta e outras memórias, felizmente que ela ficou registada e guardada para todos nós fruto do trabalho memorável do meu tio António no seu livro "Convento da Caloura".
"No formoso vale da Caloura e na proximidade do seu porto, entre as rochas vulcânicas batidas pelo Atlântico, ergue-se a Ermida e Convento anexo, cuja construção se julga ter sido iniciada nos primórdios do século XVII. Este vale foi outrora designado por Vale de Cabaços, em virtude de se encontrar profusamente coberto por grandes flores brancas, de uma erva denominada legacão, pertencente à família das liliáceas, e que lembram flores de cabaças. Actualmente é conhecido por Caloura, pelo facto dos religiosos que a partir de 1632, habitaram o respectivo Convento, se chamarem calouros. (...)
Naquela época, 1522, havia em Vila Franca do Campo um nobre varão de nome Jorge da Mota, cavaleiro do hábito de Aviz, que escapou ao cataclismo que arrasou aquela vila, refugiando-se numa quinta que possuía e onde existia, além das casas e pomar, uma ermida da invocação de 5. João Baptista.
De sua primeira mulher tinha, Jorge da Mota, uma filha, muito devota, de nome Petronilha, tendo seu pai recolhido em sua casa, para companhia daquela filha, urna mulher de nome Isabel Afonso, natural de Braga ou Ponte de Lima que, como Petronilha, tinha desejo de seguir vida religiosa e que, tendo fugido de casa por seu pai a querer casar, para esta ilha veio na companhia de um virtuoso homem, que se chamava Rodrigo Afonso e de uma sobrinha deste.
Em determinada noite, disse Petronilha a seu pai que ia fazer uma devoção na sua ermida de S. João Baptista, desejando ser acompanhada por Isabel Afonso que, como já foi dito anteriormente, também pretendia fazer vida religiosa, e por suas quatro meias-irmãs, tendo a mais velha apenas nove anos de idade. Todavia, sendo seu intento dirigir-se, nessa mesma noite, com as referidas companheiras, para a ermida de Santa Clara, situada na então vila de Ponta Delgada, assim o fez. Porém, a certa altura do caminho, avistando, do Pisão, a pequena capela de Nossa Senhora da Conceição, de Vale de Cabaços, para ela se dirigiram e, sentindo desejo de lá ficarem, assim o fizeram.
Jorge da Mota, sem encontrar suas filhas em parte alguma, julgou terem ido para Lisboa, em navio que, naquela noite, saiu do porto de Vila Franca com destino àquela cidade. No meio de tanta incerteza, chegou ao seu conhecimento estarem suas filhas na ermida de Vale de Cabaços. Dirigindo-se, de imediato, para este vale, na companhia de alguns homens, tomou as quatro meninas, suas filhas, e as mandou para casa. Contudo, no que respeitou a Maria de Jesus (Petronilha) e a Maria dos Anjos (Isabel Afonso), nem com carinhosas palavras, nem com ameaças, as conseguiu demover dos seus propósitos.
Dali a alguns dias voltou Jorge da Mota, desta vez acompanhado por seus filhos e pessoas respeitáveis de Vila Franca, entre elas alguns padres de 5. Francisco, o ouvidor eclesiástico, o Capitão do Donatário, Rui Gonçalves da Câmara, e mais pessoas nobres de outros locais da ilha. Como da primeira vez aconteceu, também desta foram infrutíferos todos os esforços para desistirem de suas resoluções, pelo que voltaram todos para suas casas, tendo ficado na ermida, onde permaneceram seis meses, Maria de Jesus e Maria dos Anjos. Como existia apenas, além da ermida, uma exígua sacristia, a Câmara e o povo da vila de Água de Pau construíram, a expensas próprias, uma pequena casa, não maior do que a sacristia, onde aquelas duas religiosas resolveram entrar numa véspera de Páscoa. (...)
A estas, outras religiosas se foram juntar, até que, passado pouco tempo, impelido por sua devoção, o quinto Capitão do Donatário da ilha, Rui Gonçalves da Câmara, segundo deste nome, encarregou-se daquela casa de religiosas, tendo sido seu padroeiro e obtido Bula de Roma para que fosse considerado mosteiro, com os respectivos privilégios. Mudou-se, então, com a família, para junto da ermida de Vale de Cabaços, mandando executar necessárias obras no edifício, às quais prestava assistência pessoal. Perto de dez anos ali estiveram juntas todas as religiosas, e foi o referido Capitão e sua mulher D. Filipa, quem, à sua custa, as sustentaram e mantiveram, sem qualquer ajuda de pais ou de outros parentes.
Assim viveu esta comunidade durante alguns anos. Mas por se situar o Mosteiro em lugar ermo, relativamente longe do povoado de Água de Pau e junto do mar que, naquela época, era infestado pela presença de corsários, principalmente franceses, o que representava grande perigo, dali saíram, no ano de 1533, para o Convento de Santo André, de Vila Franca do Campo, as seguintes religiosas (...).
Não só pelas razões determinantes e, anteriormente, apontadas para a saída, em 1533, de algumas religiosas para o Convento de Santo André, de Vila Franca do Campo, mas ainda pelo facto do sexto Capitão do Donatário, Manuel da Câmara, ter faltado com os subsídios que seu pai entregava àquelas que permaneceram em Vale de Cabaços e ter-lhes mandado dizer que se fossem casar, estas religiosas abandonaram aquele vale, num domingo de Pascoela, 23 de Abril de 1540, indo, em Ponta Delgada. (...)
As religiosas que, saindo de Vale de Cabaços, foram para o Convento da Esperança, em Ponta Delgada, fizeram-se acompanhar da imagem do Senhor Santo Cristo, que se venera naquele Mosteiro, e que e o fulcro das maiores festas religiosas que se celebram nos Açores.
Consta ter sido aquela imagem oferecida por Sua Santidade o Papa Paulo III a duas freiras que, de Vale de Cabaços, foram a Roma impetrar Bula Apostólica para a edificação do Convento. Todavia, se atendermos a que as primeiras religiosas foram para aquele vale em 1523; que o Capitão Rui Gonçalves da Câmara obteve, por Bula Pontifícia, licença não só para a erecção do Convento, mas também para ele e sua mulher, D. Filipa Coutinho, serem padroeiros do mesmo e que viveu, com a família, durante dez anos, junto da Recolecta, onde mandou fazer obras; que as freiras que foram para o Convento de Santo André saíram de Vale de Cabaços em 1533 e não é de crer que estivessem dez anos, neste vale, sem a necessária licença; que estas freiras alcançaram do Núncio de Portugal, legado à latere do Papa Clemente VII, em 16 de Julho de 1533, o breve que determinava ser o Mosteiro de Santo André fundado para quarenta freiras, em cujo número entravam as dezoito religiosas idas de Vale de Cabaços; que é provável ter o Capitão do Donatário, Rui Gonçalves da Câmara, encarregado as duas freiras de irem a Roma impetrar a Bula necessária e, por último, tendo o Papa Paulo III pontificado de 1534 (foi eleito a 13 de Outubro de 1534) a 1549, é muito provável, senão certo, ter sido o Papa Clemente VII (eleito a 18 de Novembro de 1523 e tendo falecido a 25 de Setembro de 1534) e não Paulo III quem ofereceu, às duas freiras, a imagem do Senhor Santo Cristo."
O Culto
O culto, esse ficou a dever-se à devoção de Madre Teresa da Anunciada, a quem foi erigida uma estátua, na minha opinião desproporcionada e feia, no Campo de São Francisco, junto ao banco onde se suicidou Antero de Quental.
Depois de ouvir do meu pai alguns episódios da vida desta Madre tomei contacto com "A vida da Venerável Madre Teresa da Anunciada" do Padre José Clemente, muito citado pelo meu tio António.
Com todo o respeito pelos mais devotos e crentes - que também o sou - sem dúvida que me parece que apenas a capacidade de persuasão de Madre Teresa da Anunciada e a credulidade do povo incauto permitiram a compilação de um tesouro magnífico e a criação de um mito.
Quero acreditar, porém, que com ou sem Madre Teresa os crentes teriam, como têm, fé no Senhor Santo Cristo.
Para quem não conhece é uma festa que, tendo o pretexto religioso, como tantas outras festas do género não prescinde – e na minha opinião até exagera - do seu lado pagão e social (e em ano de eleições regionais, como refere o Nuno, pelos vistos também se espera a exploração do lado propagandista, o que é assaz vergonhoso).
Vivi estas festas na minha infância, tanto do ponto de vista religioso - assistindo e/ou participando na procissão e orando perante a imagem do Senhor Santo Cristo no final da tarde ou na noite de Sábado, na Igreja onde ela pernoita – como do ponto de vista social e pagão – porque nesses dias, as restrições parentais de saídas desvaneciam-se, sendo-me permitido ficar nas “tasquinhas” e a passear por Ponta Delgada até horas mais tardias.
Ponta Delgada, ou melhor, Campo de São Francisco e Avenida Marginal que se enfeitavam de luz e gente.
Contam-me que, muito antes de eu ter ido viver para Ponta Delgada, assistindo pela primeira vez à procissão - e provavelmente a primeira vez que assistia a algo de semelhante – avistei uma pessoa conhecida que seguia no cortejo. Desatando eu a chamar a dita pessoa – um senhor que ainda por cima tinha patente militar - envergonhei o pobre do senhor e toda a minha família e respectivos amigos que se encontravam nas varandas a assistir. Envergonhei-os mas devo tê-los divertido também. Mas que querem? Põe crianças a assistir a coisas destas, e ainda por cima continentais que não estão habituados a encontrarem por acaso, e sem combinações prévias, caras conhecidas, depois não se admirem!
Revivi estas festas, mais no seu pendor religioso do que no pagão, passados treze anos, há três anos atrás.
Não que seja supersticiosa mas não aguardarei mais 13 anos.
A Imagem
(Eduardo Costa)
Durante toda a minha vida ouvi contar a história da imagem do Senhor Santo Cristo pela minha tia Ita. Com a sua habitual simpatia recebia os visitantes no Convento da Caloura a quem relatava, com muita paciência e graça, a história do Convento que vinha sendo investigada pelo seu marido, o meu tio António.
Essa história do Convento de "Vale da Cabaços" nascia com as filhas de um senhor de Vila Franca do Campo (Jorge Mota) que foram a Roma pedir ao Papa a Bula Apostólica para a edificação do Convento, e que regressaram de Roma com a Bula e com a imagem.
Passados uns anos e porque - como retive das palavras da minha tia - o local era fortemente sujeito a ataques dos corsários, as freiras de "Vale de Cabaços" mudaram-se, umas para Vila Franca do Campo e outras para Ponta Delgada (para o Convento da Esperança). Estas últimas levaram consigo a imagem do Senhor Santo Cristo.
A história do Convento da Caloura continuava. Se apenas eu, e quem a ouviu, pode lembrar com ternura a tia Ita contando esta e outras memórias, felizmente que ela ficou registada e guardada para todos nós fruto do trabalho memorável do meu tio António no seu livro "Convento da Caloura".
"No formoso vale da Caloura e na proximidade do seu porto, entre as rochas vulcânicas batidas pelo Atlântico, ergue-se a Ermida e Convento anexo, cuja construção se julga ter sido iniciada nos primórdios do século XVII. Este vale foi outrora designado por Vale de Cabaços, em virtude de se encontrar profusamente coberto por grandes flores brancas, de uma erva denominada legacão, pertencente à família das liliáceas, e que lembram flores de cabaças. Actualmente é conhecido por Caloura, pelo facto dos religiosos que a partir de 1632, habitaram o respectivo Convento, se chamarem calouros. (...)
Naquela época, 1522, havia em Vila Franca do Campo um nobre varão de nome Jorge da Mota, cavaleiro do hábito de Aviz, que escapou ao cataclismo que arrasou aquela vila, refugiando-se numa quinta que possuía e onde existia, além das casas e pomar, uma ermida da invocação de 5. João Baptista.
De sua primeira mulher tinha, Jorge da Mota, uma filha, muito devota, de nome Petronilha, tendo seu pai recolhido em sua casa, para companhia daquela filha, urna mulher de nome Isabel Afonso, natural de Braga ou Ponte de Lima que, como Petronilha, tinha desejo de seguir vida religiosa e que, tendo fugido de casa por seu pai a querer casar, para esta ilha veio na companhia de um virtuoso homem, que se chamava Rodrigo Afonso e de uma sobrinha deste.
Em determinada noite, disse Petronilha a seu pai que ia fazer uma devoção na sua ermida de S. João Baptista, desejando ser acompanhada por Isabel Afonso que, como já foi dito anteriormente, também pretendia fazer vida religiosa, e por suas quatro meias-irmãs, tendo a mais velha apenas nove anos de idade. Todavia, sendo seu intento dirigir-se, nessa mesma noite, com as referidas companheiras, para a ermida de Santa Clara, situada na então vila de Ponta Delgada, assim o fez. Porém, a certa altura do caminho, avistando, do Pisão, a pequena capela de Nossa Senhora da Conceição, de Vale de Cabaços, para ela se dirigiram e, sentindo desejo de lá ficarem, assim o fizeram.
Jorge da Mota, sem encontrar suas filhas em parte alguma, julgou terem ido para Lisboa, em navio que, naquela noite, saiu do porto de Vila Franca com destino àquela cidade. No meio de tanta incerteza, chegou ao seu conhecimento estarem suas filhas na ermida de Vale de Cabaços. Dirigindo-se, de imediato, para este vale, na companhia de alguns homens, tomou as quatro meninas, suas filhas, e as mandou para casa. Contudo, no que respeitou a Maria de Jesus (Petronilha) e a Maria dos Anjos (Isabel Afonso), nem com carinhosas palavras, nem com ameaças, as conseguiu demover dos seus propósitos.
Dali a alguns dias voltou Jorge da Mota, desta vez acompanhado por seus filhos e pessoas respeitáveis de Vila Franca, entre elas alguns padres de 5. Francisco, o ouvidor eclesiástico, o Capitão do Donatário, Rui Gonçalves da Câmara, e mais pessoas nobres de outros locais da ilha. Como da primeira vez aconteceu, também desta foram infrutíferos todos os esforços para desistirem de suas resoluções, pelo que voltaram todos para suas casas, tendo ficado na ermida, onde permaneceram seis meses, Maria de Jesus e Maria dos Anjos. Como existia apenas, além da ermida, uma exígua sacristia, a Câmara e o povo da vila de Água de Pau construíram, a expensas próprias, uma pequena casa, não maior do que a sacristia, onde aquelas duas religiosas resolveram entrar numa véspera de Páscoa. (...)
A estas, outras religiosas se foram juntar, até que, passado pouco tempo, impelido por sua devoção, o quinto Capitão do Donatário da ilha, Rui Gonçalves da Câmara, segundo deste nome, encarregou-se daquela casa de religiosas, tendo sido seu padroeiro e obtido Bula de Roma para que fosse considerado mosteiro, com os respectivos privilégios. Mudou-se, então, com a família, para junto da ermida de Vale de Cabaços, mandando executar necessárias obras no edifício, às quais prestava assistência pessoal. Perto de dez anos ali estiveram juntas todas as religiosas, e foi o referido Capitão e sua mulher D. Filipa, quem, à sua custa, as sustentaram e mantiveram, sem qualquer ajuda de pais ou de outros parentes.
Assim viveu esta comunidade durante alguns anos. Mas por se situar o Mosteiro em lugar ermo, relativamente longe do povoado de Água de Pau e junto do mar que, naquela época, era infestado pela presença de corsários, principalmente franceses, o que representava grande perigo, dali saíram, no ano de 1533, para o Convento de Santo André, de Vila Franca do Campo, as seguintes religiosas (...).
Não só pelas razões determinantes e, anteriormente, apontadas para a saída, em 1533, de algumas religiosas para o Convento de Santo André, de Vila Franca do Campo, mas ainda pelo facto do sexto Capitão do Donatário, Manuel da Câmara, ter faltado com os subsídios que seu pai entregava àquelas que permaneceram em Vale de Cabaços e ter-lhes mandado dizer que se fossem casar, estas religiosas abandonaram aquele vale, num domingo de Pascoela, 23 de Abril de 1540, indo, em Ponta Delgada. (...)
As religiosas que, saindo de Vale de Cabaços, foram para o Convento da Esperança, em Ponta Delgada, fizeram-se acompanhar da imagem do Senhor Santo Cristo, que se venera naquele Mosteiro, e que e o fulcro das maiores festas religiosas que se celebram nos Açores.
Consta ter sido aquela imagem oferecida por Sua Santidade o Papa Paulo III a duas freiras que, de Vale de Cabaços, foram a Roma impetrar Bula Apostólica para a edificação do Convento. Todavia, se atendermos a que as primeiras religiosas foram para aquele vale em 1523; que o Capitão Rui Gonçalves da Câmara obteve, por Bula Pontifícia, licença não só para a erecção do Convento, mas também para ele e sua mulher, D. Filipa Coutinho, serem padroeiros do mesmo e que viveu, com a família, durante dez anos, junto da Recolecta, onde mandou fazer obras; que as freiras que foram para o Convento de Santo André saíram de Vale de Cabaços em 1533 e não é de crer que estivessem dez anos, neste vale, sem a necessária licença; que estas freiras alcançaram do Núncio de Portugal, legado à latere do Papa Clemente VII, em 16 de Julho de 1533, o breve que determinava ser o Mosteiro de Santo André fundado para quarenta freiras, em cujo número entravam as dezoito religiosas idas de Vale de Cabaços; que é provável ter o Capitão do Donatário, Rui Gonçalves da Câmara, encarregado as duas freiras de irem a Roma impetrar a Bula necessária e, por último, tendo o Papa Paulo III pontificado de 1534 (foi eleito a 13 de Outubro de 1534) a 1549, é muito provável, senão certo, ter sido o Papa Clemente VII (eleito a 18 de Novembro de 1523 e tendo falecido a 25 de Setembro de 1534) e não Paulo III quem ofereceu, às duas freiras, a imagem do Senhor Santo Cristo."
O Culto
O culto, esse ficou a dever-se à devoção de Madre Teresa da Anunciada, a quem foi erigida uma estátua, na minha opinião desproporcionada e feia, no Campo de São Francisco, junto ao banco onde se suicidou Antero de Quental.
Depois de ouvir do meu pai alguns episódios da vida desta Madre tomei contacto com "A vida da Venerável Madre Teresa da Anunciada" do Padre José Clemente, muito citado pelo meu tio António.
Com todo o respeito pelos mais devotos e crentes - que também o sou - sem dúvida que me parece que apenas a capacidade de persuasão de Madre Teresa da Anunciada e a credulidade do povo incauto permitiram a compilação de um tesouro magnífico e a criação de um mito.
Quero acreditar, porém, que com ou sem Madre Teresa os crentes teriam, como têm, fé no Senhor Santo Cristo.
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