sábado, abril 16, 2005

Ponta Delgada - Vandalismo Cultural ou Desenvolvimento XLIV


A actual Rua Lisboa (antiga «Rua Formosa»), designação “republicana” que em 1910 destruiu grande parte da antiga toponímia de Ponta Delgada, foi aberta em 1838 entre a Rua da Vila Nova e João do Rego.
Antes era uma canada de muros baixos que ia desde os quintais da Rua da Canada até à «Propriedade dos Quarenta» do Visconde da Praia, que não atravessava, e dava serventia às propriedades rurais aí existentes, nomeadamente do dr. Caetano de Andrade Albuquerque, João Elias da Costa, Filipe de Andrade Albuquerque, Francisco de Andrade Albuquerque e outros. Seria por alguma notoriedade desta canada que a vizinha Rua da Canada se chamava assim?
Em 1848 demoliram-se as duas casas da Rua da Canada que permitiram a ligação da Rua Formosa com esta rua.
Esta longa rua, para os padrões locais, prolonga a cidade para poente e cortou os existentes aforamentos, da Vila Nova, João do Rego, Santa Catarina e do Carvão, existentes ainda antes da sua abertura. A Rua Formosa foi pensada e desenhada por António Borges da Câmara Medeiros que obteve do irmão, o Visconde da Praia a concessão do terreno e dos restantes proprietários também a necessária autorização e doação dos terrenos para alargamento da rua. António Borges pediu 40 palmos mas usou 44! Julgo que apesar do abuso ninguém reclamou. Foi feita uma subscrição pública para a conclusão da obra que vem relatadas no “Cartista” de 19-4-1848. Posteriormente à sua abertura foram abertas a Avenida Roberto Ivens (1886) e a Rua da Alegria (1848).
A Rua Lisboa cruza para sul, em primeiro lugar, com a já referida Avenida Roberto Ivens que a liga ao Campo de S. Francisco. Neste cruzamento fez o industrial João Melo Abreu construir a primeira e única fábrica de cerveja e refrigerantes que ainda usa o seu nome, em 1 de Janeiro de 1891. Na esquina oposta foi construído o actual Coliseu Micaelense em 1912.


Fábrica de Cerveja e Refrigerantes João Melo Abreu em 1893. Vê-se ao fundo o Largo 2 de Março. No local onde estão sentadas as crianças foi posteriormente construído o Coliseu


Infeliz aspecto do que é hoje a Cervejaria Melo Abreu


Coliseu Micaelense, à esquerda a Avenida Roberto Ivens


Nesta rua possuía o Visconde da Praia um extenso jardim que começando na Rua Formosa ocupava uma área, para norte, até à actual Rua de Santa Catarina. Abranches a ele se refere nos seguintes termos: “… e o do ex.mo sr. Visconde da Praia na rua Formosa; este ultimo é muito visitado por pessoas que ahi vão disfructar bellas sombras. A entrada principal fica na rua Formosa. O primeiro plano é um pequeno quadrado ensombrado por copado arvoredo. Em frente do portão há uma escadaria com dois lanços, um pela direita e outro pela esquerda, ficando-lhe no meio um pequeno lago e ma bonita cascata artificial. Subindo-se pela ditta escada entra-se no segundo plano, que é um quadrado muito maior do que o primeiro, com ruas largas e bonitas arvores e arbustos, tendo no meio do lago, todo cercado de gradeamento, dentro do qual se acham aves aquaticas, bastante raras e de subido preço; em seguida vê se uma comprida e larga rua com duas paredes de verdura, admirando-se em todo o comprimento, um sem numero de bellas e raras camélias; no fim desta rua tomando-se pela direita ou pela esquerda, vai-se ter a outro quadrado também ajardinado com gosto e esmero; este é o fim do jardim que dá sahida para a estrada de Sancta Catharina. Este mesmo sr. possue outro jardim em ponto menor em frente da sua residência” (Joaquim Cândido Abranches, Album Michaelense, Ponta Delgada, 1869, p. 49-50).
Ambos os jardins já estão destruídos! O da Rua Formosa é onde está situado actualmente o Hotel Royal Garden construído no local, já após a destruição do jardim. O da residência foi destruído, por expropriação do Estado, para construir o feiíssimo edifício do Tribunal, com veremos dentro de dias.

Carlos F. Afonso
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