O Retrato
No Professorices, o João a 1poucomais e outros comentadores, e também neste maravilhos texto da Moriana, muito se conjecturou e brincou com humor sobre bigodes, e a eventual calvice do meu Pai.
Aqui fica a história de um retrato.
Em 1983 estando de férias em Londres, costumava terminar muitos fins de tarde no monumento a Sir Henry Irving, junto do Leicester Square, vendo os trabalhos dos pintores de rua. Uma das vezes, após múltiplas insistências de um deles acedi a posar com a condição de não ficar com o retrato se não gostasse dele. E assim foi. Sentei-me num desconfortável banco, com cara de parvo, vendo o desenvolver do retrato do pintor. Enquanto isto se passava, reparei num jovem chinês que, de pé, entre a assistência, me desenhava também. Comentei com a minha mulher: “O bom vai ser o do chinês”. E foi. Em vão tentei persuadir o jovem a vender-me o desenho. Explicou-me que era estudante de Arquitectura e recebera uma encomenda de um retrato a carvão para ser publicado num livro e que se estava a treinar para o referido livro e não para vender. Dada a minha insistência, o jovem acabou por me dizer que se concordasse em ir posar num estúdio para futura publicação em livro, na presença de um fotógrafo que documentasse os diferentes passos do desenho, me ofereceria o desenho então feito. Excitadíssimo, combinamos para o dia seguinte, no endereço do Soho que me forneceu. Depois, já mais calmo e sensato, mas sem querer desistir da ideia, resolvi certificar-me se o endereço existia.
Para lá me dirigi e verifiquei que existia! Numa zona horrível. Mulheres de ensebados cabelos louros de raiz escura, bocas generosamente esborratadas, curtíssimas saias de cabedal, ancas roliças e bamboleantes, com camisas verde-alface, cor-de-rosa e lilás e enormes decotes donde esguichavam os seios, uns redondos outros não tanto e unhas de cores bizarras. Uns quantos “gentlemen” de camisa interior, com vistosas e coloridas tatuagens, encostados pelas esquinas sorvendo ruidosamente garrafas de cerveja ou gingando pela rua, cigarro ao canto da boca, com botas texanas de salto alto, pontiagudas e de biqueira arrebitada, completavam a fauna do “acolhedor” bairro. O prédio, de tijolo vermelho, tinha entrada por um túnel comprido que dava acesso a um pátio nas traseiras, donde partiam as escadas exteriores de ferro que davam acesso aos diferentes andares. Um ambiente de “West Side Story” habitado por personagens de Fellini. Fiquei aterrado! Mas o desejo do retrato e a vaidade de ser a única oportunidade de me ver publicado em livro foram mais fortes.
No dia seguinte deixei a minha mulher sentada num banco do Leicester Square, com todos os meus documentos e dinheiro, e combinamos que se eu não aparecesse 1 hora e meia depois me fosse resgatar com a polícia! Afinal sou muito mais corajoso do que imaginava e mesmo mais do que pareço…
Subi, apavorado, as escadas de ferro até ao andar que me tinham indicado e ao entrar todo o medo se desvaneceu. Era um quarto de uns quinze por cinco metros, com um enorme janelão para a rua e onde se encontravam duas bonitas e simpáticas empregadas, o chinês com a namorada e um fotógrafo. Em pouco mais de 20 minutos ficou o retrato concluído, com as fotografias das diferentes fases do desenho! No fim o chinês ofereceu-me o retrato e ficou combinado que me avisaria quando o livro fosse publicado. Nunca mais me avisou!
Quatro anos depois quando voltei a Londres, fui de novo ao monumento de Henry Irving. Quando me aproximava vejo o Hon já profissionalizado, sentado num banco retratando turistas! Ao seu lado, num painel com meia dúzia de retratos de celebridades, entre as quais Paul McCartney, estava o meu, feito naquele local 4 anos antes! Finalmente célebre, lindíssimo e bigodudo! Reconheceu-me de imediato e fez-me uma simpática recepção. Perguntei-lhe pelo livro e, depois de o procurar na editora, soube que estava esgotado, seguramente pela excelência do retrato e pela, até então para mim desconhecida, celebridade do retratado! Amavelmente o Hon ofereceu-me um exemplar.
Hoje, em lugar de destaque na minha casa, está pendurado na parede o meu retrato e aos seus pés, aberto na sua página, o livro que me celebrizou.
(Carlos F. Afonso)
Como não consigo postar condignamente o retrato, fica aqui.
Aqui fica a história de um retrato.
Em 1983 estando de férias em Londres, costumava terminar muitos fins de tarde no monumento a Sir Henry Irving, junto do Leicester Square, vendo os trabalhos dos pintores de rua. Uma das vezes, após múltiplas insistências de um deles acedi a posar com a condição de não ficar com o retrato se não gostasse dele. E assim foi. Sentei-me num desconfortável banco, com cara de parvo, vendo o desenvolver do retrato do pintor. Enquanto isto se passava, reparei num jovem chinês que, de pé, entre a assistência, me desenhava também. Comentei com a minha mulher: “O bom vai ser o do chinês”. E foi. Em vão tentei persuadir o jovem a vender-me o desenho. Explicou-me que era estudante de Arquitectura e recebera uma encomenda de um retrato a carvão para ser publicado num livro e que se estava a treinar para o referido livro e não para vender. Dada a minha insistência, o jovem acabou por me dizer que se concordasse em ir posar num estúdio para futura publicação em livro, na presença de um fotógrafo que documentasse os diferentes passos do desenho, me ofereceria o desenho então feito. Excitadíssimo, combinamos para o dia seguinte, no endereço do Soho que me forneceu. Depois, já mais calmo e sensato, mas sem querer desistir da ideia, resolvi certificar-me se o endereço existia.
Para lá me dirigi e verifiquei que existia! Numa zona horrível. Mulheres de ensebados cabelos louros de raiz escura, bocas generosamente esborratadas, curtíssimas saias de cabedal, ancas roliças e bamboleantes, com camisas verde-alface, cor-de-rosa e lilás e enormes decotes donde esguichavam os seios, uns redondos outros não tanto e unhas de cores bizarras. Uns quantos “gentlemen” de camisa interior, com vistosas e coloridas tatuagens, encostados pelas esquinas sorvendo ruidosamente garrafas de cerveja ou gingando pela rua, cigarro ao canto da boca, com botas texanas de salto alto, pontiagudas e de biqueira arrebitada, completavam a fauna do “acolhedor” bairro. O prédio, de tijolo vermelho, tinha entrada por um túnel comprido que dava acesso a um pátio nas traseiras, donde partiam as escadas exteriores de ferro que davam acesso aos diferentes andares. Um ambiente de “West Side Story” habitado por personagens de Fellini. Fiquei aterrado! Mas o desejo do retrato e a vaidade de ser a única oportunidade de me ver publicado em livro foram mais fortes.
No dia seguinte deixei a minha mulher sentada num banco do Leicester Square, com todos os meus documentos e dinheiro, e combinamos que se eu não aparecesse 1 hora e meia depois me fosse resgatar com a polícia! Afinal sou muito mais corajoso do que imaginava e mesmo mais do que pareço…
Subi, apavorado, as escadas de ferro até ao andar que me tinham indicado e ao entrar todo o medo se desvaneceu. Era um quarto de uns quinze por cinco metros, com um enorme janelão para a rua e onde se encontravam duas bonitas e simpáticas empregadas, o chinês com a namorada e um fotógrafo. Em pouco mais de 20 minutos ficou o retrato concluído, com as fotografias das diferentes fases do desenho! No fim o chinês ofereceu-me o retrato e ficou combinado que me avisaria quando o livro fosse publicado. Nunca mais me avisou!
Quatro anos depois quando voltei a Londres, fui de novo ao monumento de Henry Irving. Quando me aproximava vejo o Hon já profissionalizado, sentado num banco retratando turistas! Ao seu lado, num painel com meia dúzia de retratos de celebridades, entre as quais Paul McCartney, estava o meu, feito naquele local 4 anos antes! Finalmente célebre, lindíssimo e bigodudo! Reconheceu-me de imediato e fez-me uma simpática recepção. Perguntei-lhe pelo livro e, depois de o procurar na editora, soube que estava esgotado, seguramente pela excelência do retrato e pela, até então para mim desconhecida, celebridade do retratado! Amavelmente o Hon ofereceu-me um exemplar.
Hoje, em lugar de destaque na minha casa, está pendurado na parede o meu retrato e aos seus pés, aberto na sua página, o livro que me celebrizou.
(Carlos F. Afonso)
Como não consigo postar condignamente o retrato, fica aqui.
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