domingo, junho 06, 2004

Escândalos no Convento da Esperança

Viviam em Ponta Delgada, nos finais do séc. XVIII e princípios do séc. XIX três irmãos, os doutores Carvalhos, na bonita casa do Campo de S. Francisco hoje pertencente à família Marques Moreira.
Eram eles, Dâmaso José de Carvalho, vigário geral e ouvidor eclesiástico em Ponta Delgada, Francisco António e António Francisco Carvalho, riquíssimos negociantes, com o monopólio do comércio com o Brasil e que estiveram envolvidos também em negócios de contrabando, onde engrandeceram enormemente as suas fortunas!
O Dr. António Francisco de Carvalho era síndico do Convento da Esperança, o que lhe permitia entrada livre no convento sempre que fosse necessário ali realizar obras. Esta situação levou-o a apaixonar-se por uma deliciosa freirinha, o que levou a que as obras no Convento se tornaram contínuas, de modo a permitir as visitas do síndico três vezes por dia. Esta situação, mantida com a benevolência da abadessa Maria Luísa, terminou com a sua sucessora, a Madre Catarina Madalena que não vendo com bons olhos as visitas do pândego Dr. Carvalho, suspendeu as obras e as visitas do síndico. Indignado, o Dr. recorreu ao seu irmão, o vigário geral Dr. Dâmaso Carvalho, no sentido de retirar a bonita freira do Convento, já que “a sua saúde perigava pelo rigor da vida monástica”. Obtida a necessária licença foi a freira hospedar-se e repousar (?!) na própria casa dos irmãos Carvalhos, a dois passos do Convento da Esperança!
Esteve a freira durante três anos como hóspede do Dr. Carvalho, a “banhos” (e que banhos!?), coincidindo com o tempo de governo da austera Madre Catarina e, findo ele, o Dr. Carvalho para evitar que no futuro houvesse “nefastas” interferências de abadessas menos complacentes que pusessem em perigo a saúde das boas freiras (nas palavras do Dr. Francisco Faria e Maia) ou das freiras boas (no meu ponto de vista), propôs-lhes um requerimento, pedindo ao bispo de Angra para ficarem sob a alçada directa do Bispo, o que equivalia a ficarem sob a alçada do seu irmão, o Dr. Dâmaso, que nesta ilha representava aquele prelado.
Enviado este requerimento às freiras, parte delas logo o assinaram, mas outras recusaram-se a fazê-lo. Entre umas e outras travou-se calorosa discussão e, no ardor da polémica, “atiraram-se umas às outras, esgatanharam-se, feriram-se e, para acabar com a renhida luta, foi preciso que a abadessa mandasse chamar o juiz de fora”, para resolver a contenda!
Todos conhecemos os efeitos nefastos para a saúde, bem-estar e estabilidade nervosa que levam as mulheres “mal dormidas” a cometerem tais excessos. Como médico, só me resta reconhecer e recomendar o valor terapêutico dos “banhos” do Dr. Carvalho! Se foi Freud, em Viena, quem investigou os segredos da sexualidade humana, foi aqui em S. Miguel, um século antes, que foi empiricamente descoberta a terapêutica de tão prejudicial doença, ao que parece com sucesso, por um simples negociante e contrabandista! …
Legaram os irmãos Carvalho a sua fortuna a Jacinto Inácio da Silveira, também ele um riquíssimo negociante em Ponta Delgada, mais tarde nobilitado com o título de Barão de Fonte Bela por ter emprestado ao D. Pedro IV cerca de 100 contos, para financiamento da campanha do Mindelo. Parte deste empréstimo, feito aqui ao Duque de Bragança pelo futuro Barão, só foi pago já depois de estabelecido o regime constitucional e uma parte dele foi feita sobre um Banco inglês que, simplesmente, não existia! (Ai, os Braganças!…). Não reclamou o futuro Barão da insólita situação, nem reclamou juros, o que lhe valeu o título.
É deste legado dos irmãos Carvalho que fazia parte a lindíssima Quinta do Botelho, casa de verão do Barão, depois lar de recolhimento de raparigas em situação difícil e hoje propriedade da Fábrica de Tabaco Micaelense que ali pretende fazer uma unidade hoteleira de luxo.
Para muito tem servido o Convento da Esperança. Tem-se revelado um excelente negócio para a Igreja em dotes, esmolas e doações. Foi um excelente meio da fidalguia se livrar das filhas indesejadas, convertendo-o numa inaceitável prisão de vocações inexistentes. Foi também usado como excelente esconderijo de amores proibidos.
É agora usado como arma de propaganda política, quer por uma direita beata e fervorosa - mas talvez convicta – quer por uma esquerda que se reclama de “agnóstica, laica e republicana” e que se serve das convicções religiosas populares que, concordemos ou não com elas, são do foro íntimo de cada um, para - de uma forma infeliz e despudorada - misturar a imagem de Cristo com a imagem do Presidente do Governo, com o simples objectivo de angariar uns miseráveis votos.
“A Deus o que é de Deus e a César o que é de César”…


( Carlos Falcão Afonso, Elementos retirados de “Escavações” Francisco Maria Supico e “Capitães-Generais” Francisco Machado de Faria e Maia)

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