A vida de Madre Teresa da Anunciada
O Padre José Clemente, Presbítero da Ordem de S. Filipe Nery, escreveu este célebre livro em 1763, patrocinado pela Condessa da Ribeira Grande, Margarida Tomásia de Lorena, supostamente para glorificar e descrever a vida da “Venerável”. Este famoso livro, também conhecido por “Livro do Senhor Santo Cristo”, é ainda usado hoje por algumas videntes na ilha de S. Miguel, para fazer previsões, dar orientações, etc. A sua leitura, porém, para um iconoclasta não iluminado pela fé, conduz a um resultado precisamente contrário. A edição que possuo é de 1865 e as transcrições que farei serão nela baseadas.
A Madre Teresa da Anunciada nasceu e foi baptizada no dia 25 de Novembro de 1658, na freguesia de São Pedro da então vila da Ribeira Grande. Filha mais nova de 13 irmãos, foi criada por sua mãe com tais desvelos e carinhos, poupando-a a todas as tarefas domésticas, já que a própria Teresa dizia que “ se inclinava mais a ser Maria para o descanso do que Marta para o trabalho”, o que levou as suas próprias irmãs a classificarem-na de “mimosa e malcriada”, (pág.7).
Já a mãe, tida como vidente na Ribeira Grande, era classificada “à boca cheia de hipócrita e embusteira”
( pag.12).
Entrou para o Convento da Esperança onde iniciou o seu noviciado, em 19 de Novembro de 1681, vindo a fazer os votos solenes em 23 de Julho de 1683. Morreu, com fama de santidade, em 16 de Maio de 1738.Toda a sua vida monástica se desenvolveu em torno da imagem do Santo Cristo.
Em 1713 o SSC passa a acrescentar a designação “dos Milagres”, após a procissão que um grupo de freiras do Convento da Esperança organizou pelas ruas de Ponta Delgada, devido à grande crise sísmica que afectava a ilha de S. Miguel. Durante a procissão um abalo forte fez cair a imagem do Senhor Santo Cristo do andor, que no entanto, não sofreu qualquer dano, tendo a crise sísmica terminado, pelo que o povo clamou ser um milagre. A partir de então passou a designar a imagem por Senhor Santo Cristo... dos Milagres!
Quando a Madre Teresa entrou para o Mosteiro da Esperança, estava no coro baixo de um dos lados, num pequeno altar, uma imagem do Senhor, no passo do "Ecce Homo", que tinha um registo a tapar a abertura do peito, pois outrora servira de sacrário.
Durante a leitura do livro são-nos descritas as “conversas” que o Santo Cristo tinha em privado com a Madre Teresa e as exigências que por seu intermédio fazia, quer à comunidade monástica quer ao Conde da Ribeira Grande quer ainda aos artífices de quem pretendia um serviço.
A Imagem do SSC estava num altar, mas o tecto do coro era formado pelo soalho do coro alto que, além de velho, tinha muitas frinchas que deixavam passar o pó, além do barulho que se sentia quando se andava no coro alto. Teresa conseguiu que fosse construída uma capela convencendo as irmãs de que o SSC lhe teria dito:” Avisa da minha parte o Provincial que quando vier a capítulo exponha às Religiosas a indecência com que se acha a minha imagem e que as persuada a que concorram com as suas esmolas para se fabricar uma capela por detrás do coro e ao lado uma sacristia com seu jardim para as flores do meu altar”. (pag 65)
Nenhuma dessas capelas chegou aos nossos dias, mas sim uma terceira, mandada construir posteriormente e que foi benzida a 22 de Março de 1771.
É o Santo Cristo que encomenda à Madre: “ Teresa toma medida do pavimento da capela e dize ao Conde que desejo me ofereça uma alcatifa que tem em casa e me serve para esta capela” (pág.75). Como se o Santo já não conhecesse a medida nem o estado da referida alcatifa! Como a que estava em casa do Conde estava surrada, este ofereceu uma nova que comprou.
Logo na página seguinte o SSC lhe diz: “Filha, não te mortifiques eu não quero do Conde só a alcatifa porque o escolhi para muitas obras do meu agrado” (pag 76). Quis depois a “serva de Deus” uma grade por que o SSC lha pedira. A Abadessa chamou-a e reprimiu-a em termos violentos chamando-a de “ fingida, hipócrita e embusteira que aquela resolução era mais um capricho do seu alvedrio que obséquio à santa imagem, que com inaudita soberba andava sempre inventando novos modos de conciliar os ânimos seculares principalmente o dos Condes, os quais com a sua hipocrisia queria atrair e enganar” (pág.77). Pudera quem mais dinheiro possuía do que os Condes para satisfazer os desejos da “Venerável”!
Desobedecendo, fez a Madre chegar ao Conde a suposta mensagem do Senhor e este acabou por convencer a furiosa Abadessa a conclui-la.
Depois chegou a hora em que o SSC exigiu “que Madre Jerónima do Sacramento lhe fizesse um andor com um dossel que ele a inspiraria”(pág.84) pelo que a “Venerável “ assim o fez. Curiosamente o único trabalho da “serva do senhor” era encomendar a este e aquele esta e aquela obra, ficando ela sempre com o papel de simples transmissora de ordens. Toda a sua vida foi mais “Maria para o descanso do que Marta para o trabalho”, o que causava na comunidade algumas dissidências.
Terminada a capela exigiu por várias vezes o SSC: “Teresa eu quero um resplendor” (pág.111). Para tal a “serva de Deus” foi pedindo às outra monjas objectos de prata e exigindo das suas famílias objectos com que satisfizessem a vontade do SSC. Uma que tinha uma boceta de prata de que não se queria desfazer prometeu dar-lhe o correspondente em dinheiro. Não satisfeita, a Venerável dizia e voz alta pelo convento: “Já o Senhor tem tanta prata mas ainda lhe falta uma boceta que lhe há-de ser dada ou por bem ou por mal”. Uma vez que a religiosa foi acometida de cólicas violentas lembrou-lhe a Venerável a profecia e a infeliz lá lhe deu a boceta ficando sem a boceta e sem o dinheiro que já tinha oferecido. (pág 114). Quando o ourives a quem foi encomendado o resplendor lhe pediu um preço que considerou exorbitante ameaçou o infeliz através do conde da Ribeira Grande “ Conde …..diga-lhe V.Exª que ceda desse preço e se não o quiser, tudo quanto lhe pedir lhe dê, mas que depois não se queixe que suposto este meu Fidalgo em tudo é misericordioso, também castiga os agravos que se lhe fazem”. Chantagem? Efectivamente quando, estando a mulher do ourives acometida de terríveis dores de parto por tempo prolongado, lhe deu o Conde um pedaço da corda do SSC tendo sido o parto bem sucedido. O ourives não cobrou honorários pelo seu trabalho, não fosse a vingativa Madre “rogar-lhe outra praga”!
Depois o SSC, sem o pedir, deu um sinal à Madre que queria uma corda de ouro (!) e para isso concorreram diversas esmolas como o aljôfar que ele próprio teria indicado estar na posse duma das devotas de nome Mariana.
Muitas e muitas mais exigências e milagres nos são descritos no fabuloso livro do Padre Clemente, suspensão da chuva, confeites miraculosos, água miraculada que salvou um boi exausto nas obras do SSC, vingativas doenças sobre os que não cumpriam as determinações da Madre….
A imagem que os Evangelhos nos dão de Cristo, é a de um revolucionário, defensor dos pobres e desfavorecidos, desprovido de toda e qualquer ambição material, pregador do amor ao próximo, misericordioso, justo, etc. A imagem de Cristo que nos dão, quer o padre quer a própria Madre Teresa é a antítese de tudo isto. É-nos apresentada uma imagem de um Cristo sem a mínima preocupação social ou teológica, unicamente preocupado com os seus bens materiais (a capela, o soalho, a alcatifa, o resplendor, o retábulo, etc.), vingativo, exercendo chantagem sobre aqueles de quem pretendia um bem. Como se isso fosse possível em Cristo. No fundo a imagem que nos é revelada não é a de Cristo mas, a meu ver, a da infelizmente célebre “Venerável” Madre Teresa da Anunciada impulsionadora do culto do chamado Senhor Santo Cristo dos Milagres.
Não creio que o Eça alguma vez tenha lido este livro. Mas que o seu Zagalo se assemelha muito ao Padre Clemente, não tenho dúvida!
Que me perdoe o meu bom amigo Hugo Moreira, lá onde estiver, que tanto lutou pela beatificação da “Venerável” e que me ouvia, incrédulo e pacientemente, as minhas sacrílegas opiniões sobre a Madre Teresa.
A Madre Teresa da Anunciada nasceu e foi baptizada no dia 25 de Novembro de 1658, na freguesia de São Pedro da então vila da Ribeira Grande. Filha mais nova de 13 irmãos, foi criada por sua mãe com tais desvelos e carinhos, poupando-a a todas as tarefas domésticas, já que a própria Teresa dizia que “ se inclinava mais a ser Maria para o descanso do que Marta para o trabalho”, o que levou as suas próprias irmãs a classificarem-na de “mimosa e malcriada”, (pág.7).
Já a mãe, tida como vidente na Ribeira Grande, era classificada “à boca cheia de hipócrita e embusteira”
( pag.12).
Entrou para o Convento da Esperança onde iniciou o seu noviciado, em 19 de Novembro de 1681, vindo a fazer os votos solenes em 23 de Julho de 1683. Morreu, com fama de santidade, em 16 de Maio de 1738.Toda a sua vida monástica se desenvolveu em torno da imagem do Santo Cristo.
Em 1713 o SSC passa a acrescentar a designação “dos Milagres”, após a procissão que um grupo de freiras do Convento da Esperança organizou pelas ruas de Ponta Delgada, devido à grande crise sísmica que afectava a ilha de S. Miguel. Durante a procissão um abalo forte fez cair a imagem do Senhor Santo Cristo do andor, que no entanto, não sofreu qualquer dano, tendo a crise sísmica terminado, pelo que o povo clamou ser um milagre. A partir de então passou a designar a imagem por Senhor Santo Cristo... dos Milagres!
Quando a Madre Teresa entrou para o Mosteiro da Esperança, estava no coro baixo de um dos lados, num pequeno altar, uma imagem do Senhor, no passo do "Ecce Homo", que tinha um registo a tapar a abertura do peito, pois outrora servira de sacrário.
Durante a leitura do livro são-nos descritas as “conversas” que o Santo Cristo tinha em privado com a Madre Teresa e as exigências que por seu intermédio fazia, quer à comunidade monástica quer ao Conde da Ribeira Grande quer ainda aos artífices de quem pretendia um serviço.
A Imagem do SSC estava num altar, mas o tecto do coro era formado pelo soalho do coro alto que, além de velho, tinha muitas frinchas que deixavam passar o pó, além do barulho que se sentia quando se andava no coro alto. Teresa conseguiu que fosse construída uma capela convencendo as irmãs de que o SSC lhe teria dito:” Avisa da minha parte o Provincial que quando vier a capítulo exponha às Religiosas a indecência com que se acha a minha imagem e que as persuada a que concorram com as suas esmolas para se fabricar uma capela por detrás do coro e ao lado uma sacristia com seu jardim para as flores do meu altar”. (pag 65)
Nenhuma dessas capelas chegou aos nossos dias, mas sim uma terceira, mandada construir posteriormente e que foi benzida a 22 de Março de 1771.
É o Santo Cristo que encomenda à Madre: “ Teresa toma medida do pavimento da capela e dize ao Conde que desejo me ofereça uma alcatifa que tem em casa e me serve para esta capela” (pág.75). Como se o Santo já não conhecesse a medida nem o estado da referida alcatifa! Como a que estava em casa do Conde estava surrada, este ofereceu uma nova que comprou.
Logo na página seguinte o SSC lhe diz: “Filha, não te mortifiques eu não quero do Conde só a alcatifa porque o escolhi para muitas obras do meu agrado” (pag 76). Quis depois a “serva de Deus” uma grade por que o SSC lha pedira. A Abadessa chamou-a e reprimiu-a em termos violentos chamando-a de “ fingida, hipócrita e embusteira que aquela resolução era mais um capricho do seu alvedrio que obséquio à santa imagem, que com inaudita soberba andava sempre inventando novos modos de conciliar os ânimos seculares principalmente o dos Condes, os quais com a sua hipocrisia queria atrair e enganar” (pág.77). Pudera quem mais dinheiro possuía do que os Condes para satisfazer os desejos da “Venerável”!
Desobedecendo, fez a Madre chegar ao Conde a suposta mensagem do Senhor e este acabou por convencer a furiosa Abadessa a conclui-la.
Depois chegou a hora em que o SSC exigiu “que Madre Jerónima do Sacramento lhe fizesse um andor com um dossel que ele a inspiraria”(pág.84) pelo que a “Venerável “ assim o fez. Curiosamente o único trabalho da “serva do senhor” era encomendar a este e aquele esta e aquela obra, ficando ela sempre com o papel de simples transmissora de ordens. Toda a sua vida foi mais “Maria para o descanso do que Marta para o trabalho”, o que causava na comunidade algumas dissidências.
Terminada a capela exigiu por várias vezes o SSC: “Teresa eu quero um resplendor” (pág.111). Para tal a “serva de Deus” foi pedindo às outra monjas objectos de prata e exigindo das suas famílias objectos com que satisfizessem a vontade do SSC. Uma que tinha uma boceta de prata de que não se queria desfazer prometeu dar-lhe o correspondente em dinheiro. Não satisfeita, a Venerável dizia e voz alta pelo convento: “Já o Senhor tem tanta prata mas ainda lhe falta uma boceta que lhe há-de ser dada ou por bem ou por mal”. Uma vez que a religiosa foi acometida de cólicas violentas lembrou-lhe a Venerável a profecia e a infeliz lá lhe deu a boceta ficando sem a boceta e sem o dinheiro que já tinha oferecido. (pág 114). Quando o ourives a quem foi encomendado o resplendor lhe pediu um preço que considerou exorbitante ameaçou o infeliz através do conde da Ribeira Grande “ Conde …..diga-lhe V.Exª que ceda desse preço e se não o quiser, tudo quanto lhe pedir lhe dê, mas que depois não se queixe que suposto este meu Fidalgo em tudo é misericordioso, também castiga os agravos que se lhe fazem”. Chantagem? Efectivamente quando, estando a mulher do ourives acometida de terríveis dores de parto por tempo prolongado, lhe deu o Conde um pedaço da corda do SSC tendo sido o parto bem sucedido. O ourives não cobrou honorários pelo seu trabalho, não fosse a vingativa Madre “rogar-lhe outra praga”!
Depois o SSC, sem o pedir, deu um sinal à Madre que queria uma corda de ouro (!) e para isso concorreram diversas esmolas como o aljôfar que ele próprio teria indicado estar na posse duma das devotas de nome Mariana.
Muitas e muitas mais exigências e milagres nos são descritos no fabuloso livro do Padre Clemente, suspensão da chuva, confeites miraculosos, água miraculada que salvou um boi exausto nas obras do SSC, vingativas doenças sobre os que não cumpriam as determinações da Madre….
A imagem que os Evangelhos nos dão de Cristo, é a de um revolucionário, defensor dos pobres e desfavorecidos, desprovido de toda e qualquer ambição material, pregador do amor ao próximo, misericordioso, justo, etc. A imagem de Cristo que nos dão, quer o padre quer a própria Madre Teresa é a antítese de tudo isto. É-nos apresentada uma imagem de um Cristo sem a mínima preocupação social ou teológica, unicamente preocupado com os seus bens materiais (a capela, o soalho, a alcatifa, o resplendor, o retábulo, etc.), vingativo, exercendo chantagem sobre aqueles de quem pretendia um bem. Como se isso fosse possível em Cristo. No fundo a imagem que nos é revelada não é a de Cristo mas, a meu ver, a da infelizmente célebre “Venerável” Madre Teresa da Anunciada impulsionadora do culto do chamado Senhor Santo Cristo dos Milagres.
Não creio que o Eça alguma vez tenha lido este livro. Mas que o seu Zagalo se assemelha muito ao Padre Clemente, não tenho dúvida!
Que me perdoe o meu bom amigo Hugo Moreira, lá onde estiver, que tanto lutou pela beatificação da “Venerável” e que me ouvia, incrédulo e pacientemente, as minhas sacrílegas opiniões sobre a Madre Teresa.
<< Home