Toponímias
Hoje o João, açoreano desterrado que não esquece as suas origens e, parece-me, cultiva-as muito bem, dedicou alguns posts aos Açores.
Para além das "estórias" engraçadas que se desenvolveram também nos comentários, entre eles o Nuno referiu que o nome da Vila Nova do Corvo já não era esse.
O meu pai, indignado com as alterações dos nomes, em especial de ruas, mandou-me este texto que aqui publico (e sem pagar direitos de autor)
Desde há muito que me espantam, porventura por atavismo insensato, as alterações que os diferentes elencos camarários fazem à toponímia das ruas das cidades, para homenagear figuras de destaque regional e nacional. Não que seja injusto homenagear cidadãos prestantes. Mas haverá necessidade de alterar nomes, tantas vezes seculares, que fazem parte do nosso património cultural, tanto como os edifícios, os livros e os monumentos?
Que se diria se, por absurdo, alguém decidisse chamar ao Terreiro do Paço, Praça Dr. Mário Soares? Ou ao Rossio, Praça Dr. Freitas do Amaral? Ou ainda à Avenida da Liberdade, de Dr. Santana Lopes? Estou certo que não só não nos riríamos como, com certeza, até seria desprestigiante para os próprios homenageados, a sua imposição à tradição secular de todo um país.
Em Ponta Delgada tal atitude tem sido tomada desde há muito, apagando um passado de que não nos devíamos envergonhar, como até descaracterizando alguns dos aspectos mais típicos em termos de linguagem que possuímos.
Ponta Delgada, como todas as outras cidades do País felizmente, tem-se expandido e não faltam ruas novas para homenagear os que se distinguem, sem alterar a toponímia antiga da cidade, cimentada pelo tempo e que nos referencia a um passado já longínquo e a pessoas de que todos nos devíamos orgulhar.
A antiga Rua Nova da Matriz foi a que Antero subiu, vindo da Loja do Férin, onde comprou a pistola com que se suicidaria, horas depois, no Campo de S. Francisco. Hoje chama-se António José de Almeida, ilustre Presidente da República, mas que eu saiba Ponta Delgada pouco ou nada lhe deve.
A Rua do Gaspar, por viver ali no séc. XVI um afamado “cirurgião” do tempo, Mestre Gaspar, passou a chamar-se Rua Dr. Bruno Tavares Carreiro, um também ilustre médico e autonomista da 1ª geração de Autonomistas, que em finais do séc. XIX ali habitava e que assistiu também ao Antero nos seus últimos momentos. Não terá sido o famoso Mestre Gaspar um ilustre cidadão que mereceu, para os contemporâneos, honras de nome de rua que se manteve assim durante 400 longos anos? Não será ofender a sua memória e a dos nossos ancestrais que assim o glorificaram?
A Rua de S.Brás, a principal da então vila de Ponte Delgada por nela ficar a Ermida de S. Brás, passou a chamar-se Machado dos Santos, um republicano ilustre que faleceu em Lisboa em 1921. Terá alguma coisa a ver com a nossa cidade?
A Rua Direita, continuação da Rua de S. Brás foi alterada, já no séc. XX, para Rua Marquês da Praia e Monforte, um ilustre micaelense sem dúvida, mas cuja memória não ficaria diminuída se a “sua” rua ficasse noutro local.
A Rua do Desterro, onde fica a bonita Ermida do Desterro assim chamada desde o séc.XVII, chama-se agora Coronel Silva Leal, seguramente um exemplar chefe de família e um prestante cidadão.
A Rua do Frias, referia-se ao Licenciado António de Frias, 2.º padroeiro do Convento de Santo André de PD. Com a sua mulher fundou Recolhimento de Sant'Ana em PD no séc. XVIII. Passou a rua a chamar-se, desde 1919, Rua José Maria Raposo do Amaral, ilustre político do Séc. XIX, Presidente da Câmara, etc. Muita gente ainda hoje a conhece pelo antigo nome. Ficaria José Maria Raposo do Amaral honrado por apagar a memória de António de Frias?
A Rua do Valverde assim chamada por existir no local, desde a colonização a frondosa ribeira do Valverde, agora pomposamente chamada de Manuel Inácio Correia, outro dos ilustres beneméritos da cidade. Não haveria outra rua a que lhe fosse dado o nome?
A 2ª Travessa da Conceição, antiga Travessa do Paço por referência ao Paço dos Condes da Ribeira Grande, foi onde Antero escreveu a sua Carta Autobiográfica a Wilhelm Storck que preparava a edição alemã dos seus Sonetos, em 14 de Maio de 1887 , quando de uma estadia na casa n.º 9 (ainda existente), que pertencia ao seu primo, dilecto amigo e companheiro de grandes discussões filosóficas, Sebastião d’Arruda da Costa Botelho. Agora a rua chama-se Comandante Jaime de Sousa, capitão de fragata e deputado por Ponta Delgada que, segundo ouvi ao Dr. Hugo Moreira, terá prometido deixar a Ponta Delgada a sua fortuna se dessem o seu nome a uma rua. A fortuna nunca terá chegado, mas o nome lá ficou depois de ter passado, fugazmente, pela Rua dos Clérigos.
Que dizer de outros nomes tão típicos como a Rua do Pau do Conde (do pau da bandeira do Conde da Ribeira Grande), a Lombinha dos Cães, o Calço da Má Cara, a Rua da Loiça, a Rua do Frade, a Rua do Saco, a Rua do Poço (do poço do pastel, pertencente a Pêro de Teive), o Canto da Fontinha, o Foral das Cornetas, a Canada do Vintém, etc...
Moro num local que, quando para cá vim, se chamava Quatro Canadas, por nele convergirem precisamente quatro canadas. Ao que parece os meus vizinhos não gostavam de morar em canadas. Mudaram-lhe o nome. Hoje moro no “importante” Caminho da Abelheira de Baixo e, nem eu nem eles mudamos nada. Nem a canada. Só estamos mais velhos.
Houvesse um investigador de História que nos conseguisse desvendar os segredos dessa toponímia antiga.
Tendo o privilégio de poder escrever aqui, sem ser em comentário, respondo-te pai.
Não sei qual o nome que tinha a praça que sempre conheci, e ainda chamo, de Praça do Areeiro, mas que hoje se chama Francisco Sá Carneiro. Por muito que o pais lhe devesse a honra do seu nome figurar numa rua (julgo que darem o seu nome a um aeroporto foi de mau gosto, mas enfim) está no rol das que mencionas.
Quanto às ruas de Ponta Delgada, curiosamente muitas das que referes eu ainda trato pelos nomes antigos. E isto mesmo antes de terem tido a iniciativa (que - não sendo a ideal, pois era melhor que não tivessem alterado os nomes- eu até acho boa) de terem colocado as placas com os nomes antigos a par dos novos.
Já agora, e para os continentais que aqui vêm (e corrijam-me os açoreanos se estiver errada) canada é um caminho de ladeado de muros altos.
Para além das "estórias" engraçadas que se desenvolveram também nos comentários, entre eles o Nuno referiu que o nome da Vila Nova do Corvo já não era esse.
O meu pai, indignado com as alterações dos nomes, em especial de ruas, mandou-me este texto que aqui publico (e sem pagar direitos de autor)
Desde há muito que me espantam, porventura por atavismo insensato, as alterações que os diferentes elencos camarários fazem à toponímia das ruas das cidades, para homenagear figuras de destaque regional e nacional. Não que seja injusto homenagear cidadãos prestantes. Mas haverá necessidade de alterar nomes, tantas vezes seculares, que fazem parte do nosso património cultural, tanto como os edifícios, os livros e os monumentos?
Que se diria se, por absurdo, alguém decidisse chamar ao Terreiro do Paço, Praça Dr. Mário Soares? Ou ao Rossio, Praça Dr. Freitas do Amaral? Ou ainda à Avenida da Liberdade, de Dr. Santana Lopes? Estou certo que não só não nos riríamos como, com certeza, até seria desprestigiante para os próprios homenageados, a sua imposição à tradição secular de todo um país.
Em Ponta Delgada tal atitude tem sido tomada desde há muito, apagando um passado de que não nos devíamos envergonhar, como até descaracterizando alguns dos aspectos mais típicos em termos de linguagem que possuímos.
Ponta Delgada, como todas as outras cidades do País felizmente, tem-se expandido e não faltam ruas novas para homenagear os que se distinguem, sem alterar a toponímia antiga da cidade, cimentada pelo tempo e que nos referencia a um passado já longínquo e a pessoas de que todos nos devíamos orgulhar.
A antiga Rua Nova da Matriz foi a que Antero subiu, vindo da Loja do Férin, onde comprou a pistola com que se suicidaria, horas depois, no Campo de S. Francisco. Hoje chama-se António José de Almeida, ilustre Presidente da República, mas que eu saiba Ponta Delgada pouco ou nada lhe deve.
A Rua do Gaspar, por viver ali no séc. XVI um afamado “cirurgião” do tempo, Mestre Gaspar, passou a chamar-se Rua Dr. Bruno Tavares Carreiro, um também ilustre médico e autonomista da 1ª geração de Autonomistas, que em finais do séc. XIX ali habitava e que assistiu também ao Antero nos seus últimos momentos. Não terá sido o famoso Mestre Gaspar um ilustre cidadão que mereceu, para os contemporâneos, honras de nome de rua que se manteve assim durante 400 longos anos? Não será ofender a sua memória e a dos nossos ancestrais que assim o glorificaram?
A Rua de S.Brás, a principal da então vila de Ponte Delgada por nela ficar a Ermida de S. Brás, passou a chamar-se Machado dos Santos, um republicano ilustre que faleceu em Lisboa em 1921. Terá alguma coisa a ver com a nossa cidade?
A Rua Direita, continuação da Rua de S. Brás foi alterada, já no séc. XX, para Rua Marquês da Praia e Monforte, um ilustre micaelense sem dúvida, mas cuja memória não ficaria diminuída se a “sua” rua ficasse noutro local.
A Rua do Desterro, onde fica a bonita Ermida do Desterro assim chamada desde o séc.XVII, chama-se agora Coronel Silva Leal, seguramente um exemplar chefe de família e um prestante cidadão.
A Rua do Frias, referia-se ao Licenciado António de Frias, 2.º padroeiro do Convento de Santo André de PD. Com a sua mulher fundou Recolhimento de Sant'Ana em PD no séc. XVIII. Passou a rua a chamar-se, desde 1919, Rua José Maria Raposo do Amaral, ilustre político do Séc. XIX, Presidente da Câmara, etc. Muita gente ainda hoje a conhece pelo antigo nome. Ficaria José Maria Raposo do Amaral honrado por apagar a memória de António de Frias?
A Rua do Valverde assim chamada por existir no local, desde a colonização a frondosa ribeira do Valverde, agora pomposamente chamada de Manuel Inácio Correia, outro dos ilustres beneméritos da cidade. Não haveria outra rua a que lhe fosse dado o nome?
A 2ª Travessa da Conceição, antiga Travessa do Paço por referência ao Paço dos Condes da Ribeira Grande, foi onde Antero escreveu a sua Carta Autobiográfica a Wilhelm Storck que preparava a edição alemã dos seus Sonetos, em 14 de Maio de 1887 , quando de uma estadia na casa n.º 9 (ainda existente), que pertencia ao seu primo, dilecto amigo e companheiro de grandes discussões filosóficas, Sebastião d’Arruda da Costa Botelho. Agora a rua chama-se Comandante Jaime de Sousa, capitão de fragata e deputado por Ponta Delgada que, segundo ouvi ao Dr. Hugo Moreira, terá prometido deixar a Ponta Delgada a sua fortuna se dessem o seu nome a uma rua. A fortuna nunca terá chegado, mas o nome lá ficou depois de ter passado, fugazmente, pela Rua dos Clérigos.
Que dizer de outros nomes tão típicos como a Rua do Pau do Conde (do pau da bandeira do Conde da Ribeira Grande), a Lombinha dos Cães, o Calço da Má Cara, a Rua da Loiça, a Rua do Frade, a Rua do Saco, a Rua do Poço (do poço do pastel, pertencente a Pêro de Teive), o Canto da Fontinha, o Foral das Cornetas, a Canada do Vintém, etc...
Moro num local que, quando para cá vim, se chamava Quatro Canadas, por nele convergirem precisamente quatro canadas. Ao que parece os meus vizinhos não gostavam de morar em canadas. Mudaram-lhe o nome. Hoje moro no “importante” Caminho da Abelheira de Baixo e, nem eu nem eles mudamos nada. Nem a canada. Só estamos mais velhos.
Houvesse um investigador de História que nos conseguisse desvendar os segredos dessa toponímia antiga.
Tendo o privilégio de poder escrever aqui, sem ser em comentário, respondo-te pai.
Não sei qual o nome que tinha a praça que sempre conheci, e ainda chamo, de Praça do Areeiro, mas que hoje se chama Francisco Sá Carneiro. Por muito que o pais lhe devesse a honra do seu nome figurar numa rua (julgo que darem o seu nome a um aeroporto foi de mau gosto, mas enfim) está no rol das que mencionas.
Quanto às ruas de Ponta Delgada, curiosamente muitas das que referes eu ainda trato pelos nomes antigos. E isto mesmo antes de terem tido a iniciativa (que - não sendo a ideal, pois era melhor que não tivessem alterado os nomes- eu até acho boa) de terem colocado as placas com os nomes antigos a par dos novos.
Já agora, e para os continentais que aqui vêm (e corrijam-me os açoreanos se estiver errada) canada é um caminho de ladeado de muros altos.
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