Chegados a este fim-de-semana, depois de algumas trocas de impressões, memórias e graças a propósito de açoreanisses no passado fim de semana, retomo histórias açorianas, da memória do meu pai.
Em 1942 houve um violento incêndio em Ponta Delgada, na então casa do Dr. Francisco Machado Faria e Maia , filho do grande amigo e companheiro de Antero, o 2º Visconde de Faria e Maia.
Amigos e familiares acorreram ao local, ajudando os bombeiros a salvar o que puderam. O meu Pai participou nesse esforço e contou-me que encontrara um amigo, escadas abaixo, salvando – imagine-se - uma vassoura! Muita coisa se perdeu nesse incêndio. Pratas, mobiliário, loiças, valiosos quadros de Duarte Faria e Maia e livros da preciosa biblioteca do Visconde de Faria e Maia.
Muitos dos salvados foram depositados na casa que lhe era contígua, pertencente à minha Tia Fernanda de Medeiros e Câmara, sobrinha do Dr. Francisco de Faria e Maia.
Quis o acaso que, 50 anos depois, o meu irmão e eu tivéssemos herdado essa casa e, num quarto meio abandonado, encontramos uma pilha de livros, velhos e poeirentos, que dividimos mais ou menos “ao quilo”.
Coube-me um pequeno livro “Felicidade pela Agricultura”, de António Feliciano de Castilho, editado em 1849 em Ponta Delgada, pela Tipografia da Rua das Artes, n.º 69 (mais uma das muitas que alteraram o nome e não sei onde era), quando da estadia do escritor aqui em S.Miguel, onde exerceu enorme influência na pouco culta sociedade local, sendo inclusive professor das primeiras letras de Antero.
Para meu espanto no frontispício do livro estava a fabulosa(!) assinatura ANTERO TARQUINIO QUENTAL ( ANTERO INSULANO). Na pág. 10, com uma letra de criança estava escrito: ESTA (segue o título impresso do livro: Felicidade pela Agricultura), PERTENCE A ANTERO TARQUINIO Q, estando o resto cortado pelo encadernador. No interior da capa, num pequeno rectângulo de papel azul, o carimbo A T QUENTAL seguido do nº 2. Na contra capa estava colado um papel, escrito com uma elegante caligrafia típica do séc. XIX, a seguinte inscrição (não textual): “Este livro pertenceu ao Antero de Quental e foi-lhe oferecido aos 10 anos pelo autor. Foi durante muitos anos o seu livro de cabeceira. Sempre que queria escrever, lia umas páginas deste livro que considerava um exemplo de boa prosa.”
Como era possível aquele livro estar ali? Nunca me lembrei do incêndio.
Tempos depois o António Pracana, um culto e distinto bibliófilo, telefonou-me a dizer que desvendara o mistério. O livro fora oferecido pelo Antero ao Visconde de Faria e Maia em 1874 ou 1876. Estava descrito na mais completa e mais bem feita biografia do Antero, a do Dr. José Bruno Carreiro, no Vol. I, pág. 91 e 92, com honras de fotografias das assinaturas. Tratava-se da 1º assinatura conhecida do Antero e que estava dado como desaparecido num incêndio em 1942 ( Vol.I pág. 92 , Nota 9).
De imediato levei o livro à sua legítima proprietária, a Sr.ª D. Maria Luísa de Faria e Maia, neta do Visconde de Faria e Maia que emocionada me disse: “Sabes, este livro deve ter o seu lugar na livraria do meu Avô. Ele anotava com etiquetas os livros pertencentes a cada prateleira”. E para lá voltou 50 anos depois!
O mais curioso desta história é para mim, a desconhecida reverência do então fogoso Antero pelo seu afamado alvo na “Questão Coimbrã” (1865), reconhecendo-lhe - com “bom senso e bom gosto” - o seu mérito. Ou terá sido, a oferta do livro ao Dr. Vicente de Faria e Maia, uma prova da sua ruptura definitiva com o seu antigo Mestre, coincidindo com o início da sua crise pessimista (1874) em que entreviu a morte e se começaram a manifestar os sintomas da doença que o conduziu, inexoravelmente, até à morte?
Este precioso livro deve estar no que hoje resta da biblioteca do Visconde de Faria e Maia, na casa da sua sobrinha-trisneta, a minha muita querida Laura de Faria e Maia, casada com um irmão do Nuno Barata.
Na minha última estadia nos Açores estive na casa onde se deu este incêndio e falei dele...
Da minha parte, sei que após a morte da Sra. Dª. Maria Luisa Faria e Maia esta biblioteca foi já alvo de uma dedicada inventariação e catalogação que, infelizmente, não ficou porém terminada. A minha também muito querida amiga (madrinha e comadre) Laura sabendo desta história irá certamente procurar este exemplar onde ele deve encontrar-se e catalogá-lo com esta história.
Quanto à sociedade pouco culta, não tenho grande conhecimento e contacto tanto com a história do século XIX nos Açores e com de personagens dessa época que me permitam rebater a afirmação (para além daquelas que se tornaram notórias, como é Antero). Mas do que conheço do século XX, da história e de personagens com quem directamente privei ou não, o que sei é que a insularidade teve grandes vantagens, permitindo a atenção e dedicação à leitura e à cultura que a uns deram reputação e a outros, sem a dar, não os tornou menos cultos e proeminentes. Pelo contrário! Aliás, veja-se o exemplo disso mesmo em blogues tão pertinho de nós....
Em 1942 houve um violento incêndio em Ponta Delgada, na então casa do Dr. Francisco Machado Faria e Maia , filho do grande amigo e companheiro de Antero, o 2º Visconde de Faria e Maia.
Amigos e familiares acorreram ao local, ajudando os bombeiros a salvar o que puderam. O meu Pai participou nesse esforço e contou-me que encontrara um amigo, escadas abaixo, salvando – imagine-se - uma vassoura! Muita coisa se perdeu nesse incêndio. Pratas, mobiliário, loiças, valiosos quadros de Duarte Faria e Maia e livros da preciosa biblioteca do Visconde de Faria e Maia.
Muitos dos salvados foram depositados na casa que lhe era contígua, pertencente à minha Tia Fernanda de Medeiros e Câmara, sobrinha do Dr. Francisco de Faria e Maia.
Quis o acaso que, 50 anos depois, o meu irmão e eu tivéssemos herdado essa casa e, num quarto meio abandonado, encontramos uma pilha de livros, velhos e poeirentos, que dividimos mais ou menos “ao quilo”.
Coube-me um pequeno livro “Felicidade pela Agricultura”, de António Feliciano de Castilho, editado em 1849 em Ponta Delgada, pela Tipografia da Rua das Artes, n.º 69 (mais uma das muitas que alteraram o nome e não sei onde era), quando da estadia do escritor aqui em S.Miguel, onde exerceu enorme influência na pouco culta sociedade local, sendo inclusive professor das primeiras letras de Antero.
Para meu espanto no frontispício do livro estava a fabulosa(!) assinatura ANTERO TARQUINIO QUENTAL ( ANTERO INSULANO). Na pág. 10, com uma letra de criança estava escrito: ESTA (segue o título impresso do livro: Felicidade pela Agricultura), PERTENCE A ANTERO TARQUINIO Q, estando o resto cortado pelo encadernador. No interior da capa, num pequeno rectângulo de papel azul, o carimbo A T QUENTAL seguido do nº 2. Na contra capa estava colado um papel, escrito com uma elegante caligrafia típica do séc. XIX, a seguinte inscrição (não textual): “Este livro pertenceu ao Antero de Quental e foi-lhe oferecido aos 10 anos pelo autor. Foi durante muitos anos o seu livro de cabeceira. Sempre que queria escrever, lia umas páginas deste livro que considerava um exemplo de boa prosa.”
Como era possível aquele livro estar ali? Nunca me lembrei do incêndio.
Tempos depois o António Pracana, um culto e distinto bibliófilo, telefonou-me a dizer que desvendara o mistério. O livro fora oferecido pelo Antero ao Visconde de Faria e Maia em 1874 ou 1876. Estava descrito na mais completa e mais bem feita biografia do Antero, a do Dr. José Bruno Carreiro, no Vol. I, pág. 91 e 92, com honras de fotografias das assinaturas. Tratava-se da 1º assinatura conhecida do Antero e que estava dado como desaparecido num incêndio em 1942 ( Vol.I pág. 92 , Nota 9).
De imediato levei o livro à sua legítima proprietária, a Sr.ª D. Maria Luísa de Faria e Maia, neta do Visconde de Faria e Maia que emocionada me disse: “Sabes, este livro deve ter o seu lugar na livraria do meu Avô. Ele anotava com etiquetas os livros pertencentes a cada prateleira”. E para lá voltou 50 anos depois!
O mais curioso desta história é para mim, a desconhecida reverência do então fogoso Antero pelo seu afamado alvo na “Questão Coimbrã” (1865), reconhecendo-lhe - com “bom senso e bom gosto” - o seu mérito. Ou terá sido, a oferta do livro ao Dr. Vicente de Faria e Maia, uma prova da sua ruptura definitiva com o seu antigo Mestre, coincidindo com o início da sua crise pessimista (1874) em que entreviu a morte e se começaram a manifestar os sintomas da doença que o conduziu, inexoravelmente, até à morte?
Este precioso livro deve estar no que hoje resta da biblioteca do Visconde de Faria e Maia, na casa da sua sobrinha-trisneta, a minha muita querida Laura de Faria e Maia, casada com um irmão do Nuno Barata.
Na minha última estadia nos Açores estive na casa onde se deu este incêndio e falei dele...
Da minha parte, sei que após a morte da Sra. Dª. Maria Luisa Faria e Maia esta biblioteca foi já alvo de uma dedicada inventariação e catalogação que, infelizmente, não ficou porém terminada. A minha também muito querida amiga (madrinha e comadre) Laura sabendo desta história irá certamente procurar este exemplar onde ele deve encontrar-se e catalogá-lo com esta história.
Quanto à sociedade pouco culta, não tenho grande conhecimento e contacto tanto com a história do século XIX nos Açores e com de personagens dessa época que me permitam rebater a afirmação (para além daquelas que se tornaram notórias, como é Antero). Mas do que conheço do século XX, da história e de personagens com quem directamente privei ou não, o que sei é que a insularidade teve grandes vantagens, permitindo a atenção e dedicação à leitura e à cultura que a uns deram reputação e a outros, sem a dar, não os tornou menos cultos e proeminentes. Pelo contrário! Aliás, veja-se o exemplo disso mesmo em blogues tão pertinho de nós....
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