quarta-feira, janeiro 26, 2005

Ponta Delgada – Vandalismo Cultural ou Desenvolvimento? - XXXVII

A construção do Porto Artificial, iniciada em 1861, sob projecto do inglês Sir John Rennie foi sob o ponto de vista económico de enorme importância para a ilha, mas sob o ponto de vista urbanístico foi, na minha modesta opinião, o início da descaracterização e destruição de Ponta Delgada.
Sentindo-se protegida, a cidade entendeu virar-se para o mar destruindo-se toda a orla marítima do Cais do Corpo Santo a S. Pedro não se poupando casas, ermidas, o Cais da Alfandega, toda a muralha que protegia as casas da Rua dos Mercadores, o forte de S. Pedro e a Calheta de Pero de Teive.
A intervenção do séc. XIX terá sido, apesar de tudo, mais suave, construindo um Aterro, a uma cota mais baixa do que a actual Avenida, do Cais da Sardinha ao Cais da Alfandega, poupando-o. Deste modo só terá sido destruída a Ermida de S. Pedro Gonçalves do séc. XVI também conhecida por Ermida do Corpo Santo, que foi construída em terrenos doados no séc..XVI, num local próximo do local onde hoje está construída a Alfândega, tendo-se construído um bonito Mercado de Peixe a nascente do Cais do Corpo Santo, conhecido por Cais da Sardinha, não por ser um Mercado de venda de peixe, mas sim por ter sido construído pelo partido liberal conhecido pelo “da sardinha”.
A Ermida de S. Pedro Gonçalves era da confraria dos pescadores da cidade. Depois de decidida a sua demolição foi a sua imagem transferida, em procissão em 1862, para a Igreja da Graça, contrariando a vontade dos pescadores de Santa Clara que a pretendiam para a sua Igreja mas que a perderam pela maioria dos votos dos pescadores da Calheta. Após a solene procissão de transferência da imagem, um dos pescadores de Santa Clara vendo-a já instalada na Graça virou -se para a imagem e gritou:
Ó S. Pedro Gonçalves, ou tu és Santo ou não és, se és, é hoje aqui e amanhã em Santa Clara. Se não és, então vai bardamerda!
E, de forma desabrida, voltou-lhe as costas e desceu igreja abaixo! (Urbano Mendonça Dias, Ponta Delgada, Monografia Histórica, 1946).


Planta do Castelo de S. Brás e Cais do Corpo Santo, feita pelo Cônsul Inglês William Read no princípio do séc. XIX. Não estava ainda construído o Cais da Sardinha na ponta de biscoito à direita e assinalada com uma cruz a Ermida de S. Pedro Gonçalves do séc. XVI, destruída pela construção do Cais da Sardinha em 1862


Jardim do Castelo antes da reformulação actual, vendo-se encostado à muralha o Padrão aos Mortos da Grande Guerra de 14-18 da autoria de Raúl Lino e Diogo de Macedo ali colocado em 4-11-1935, de proporção excessiva para a altura da muralha e uma quase profanação ao vetusto monumento. O próprio escultor Diogo de Macedo quando visitou Ponta Delgada em 1951 lamentou a localização do memorial



O Cais do Corpo Santo e o Forte vistos do cais da Sardinha


Vista do Cais de Corpo Santo e em primeiro plano o antigo Chafariz, aproximadamente no local onde hoje se situa o Monumento ao Emigrante. Ao fundo a 1ª fase do Porto Artificial


Aterro. Vendo-se ao fundo o edifício da Alfândega e as arcadas da Fonte dos Navegantes. À direita as pontes do Clemente (Clemente Joaquim da Costa) para descarga de carvão


Interior do Cais da Sardinha


Cais da Sardinha visto do Forte de S. Brás


O bonito Cais da Sardinha visto de um edifício do Aterro


O feio Edifício da Alfândega que resultou da demolição do Cais da Sardinha e situado no local onde existiu a Ermida de S. Pedro Gonçalves

Carlos F. Afonso
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